Mostrar mensagens com a etiqueta entrevistas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta entrevistas. Mostrar todas as mensagens

sábado, 4 de novembro de 2023

A entrevista de Júlia Azevedo, presidente do SIPE, ao DN


Numa altura em que há milhares de alunos sem docentes, Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), pede medidas urgentes e critica desinvestimento na educação.
...
Sem esperança não há luta e nós não vamos desistir. Acontece que, neste momento é conhecida, em relação à recuperação do tempo de serviço, a posição do Presidente da República, dos partidos políticos incluindo o maior partido da oposição e da sociedade em geral (sustentada por dezenas de inquéritos à população). Consideramos ainda que, neste momento, estão reunidas todas as condições necessárias para que, faseadamente, nos seja contabilizado todo o tempo de serviço, aliás como já se procedeu nas Regiões Autónomas da Madeira e do Açores. Portugal não está dividido em três Países!
Relativamente a outras reivindicações, tais como o fim das quotas, e o fim do regime probatório, regime especial de aposentação, horários de trabalho, regime de mobilidade por doença, vencimentos condignos que acompanhem a inflação, ajudas de custo e deslocação, ultrapassagens, agressão ao professor ser considerado crime público, consideramos que além de justas são necessárias para "valorizar quem está e atrair quem vem". Com a resolução destas reivindicações o Ministério da Educação criaria condições para que os 12 mil docentes que abandonaram a profissão, regressassem. Salientamos que as propostas do SIPE são sensatas, ponderadas e justas!

Medidas enviadas ao ministro da Educação

Em 2018, o SIPE apresentou várias medidas ao ME para combater a falta de professores, entre elas estão a atribuição de casa e subsídio de deslocação para professores deslocados; a alteração aos horários de contratação (os horários deverão ser completos para atrair mais docentes); a alteração da lei em casos de agressão a professores, passando a ser considerado um crime público; a valorização da carreira docente (melhores vencimentos, abolição das cotas e vagas na progressão na carreira, recuperação do tempo de serviço, reduções pela idade concedida na componente individual de trabalho); a captação dos 12 000 professores especializados que abandonaram a carreira; a aposentação, sem penalizações, para os docentes com 36 anos de serviço, independentemente da idade (libertando assim lugares de quadro para as novas gerações de docentes), entre outras.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

João Costa "Sob Escuta" no Observador. A propaganda e o discurso contra os professores continuam!

João Costa, Sob Escuta, em entrevista ao Observador fala dos alunos, professores e comunidades educativas e sobre o que (NÃO) podem esperar para o próximo ano do Orçamento do Estado 2023, mas também para o resto da legislatura. 

domingo, 11 de setembro de 2022

Entrevista de Santana Castilho ao SOL, a não perder!



Santana Castilho antecipa um ano letivo mau e critica soluções do Governo. A última é o despacho publicado esta semana que baixa a fasquia quando faltam professores. Se fosse ministro, não poria um secretário de Estado a assiná-lo como fez João Costa: ‘É uma cobardia’.
...

Além do pacote de apoio às famílias, a semana fica marcada pela garantia do ministro da Educação de um regresso às aulas tranquilo, mas sem ilusões. É tranquilizador?
Os Costas são dois artistas. O Costa chefe, manipulador, prestidigitador exímio, e o Costa ministro da Educação, menos do que ele, mas que tem a mesma atitude perante os problemas. Portanto as palavras de João Costa não me surpreendem. Se formos analisar em detalhe, a atuação política do ministro tem sido de ignorância dos problemas da educação e procura de soluções, umas mais escabrosas do que outras, para gerir o dia a dia. Deu uma conferência de imprensa em agosto onde disse que 97% dos horários pedidos já estavam preenchidos.

O número de baixas médicas nas escolas tem a ver com o envelhecimento dos professores ou, como sugeriu o pedido de 7500 juntas médicas por parte do Governo, há um aproveitamento indevido desse mecanismo, até para resolver por exemplo a instabilidade das colocações?
Não há só uma causa certamente. A maior será o envelhecimento dos professores, mas por cima dessa está sempre o quão difícil e causticante se tornou a profissão de professor. No último concurso tivemos casos em que os professores finalmente entraram no quadro para se ir reformar na semana a seguir ou no mês a seguir. Imagina o que é, com a sua família, viver 27 anos, como eu conheço alguns docentes, com a mulher num sítio, o marido noutro, a terem de alugar duas casas, não poderem estar com os filhos? No ano passado tive conhecimento do caso de uma colega que vivia aqui em Lisboa, dormia num sofá numa sala pelo qual pagava 10 euros diários. Não tinha dinheiro sequer para alugar um quarto. Todas estas coisas se acumulam e dão um desgaste enorme aos professores.

O que está a dizer é que sugerir que há uma fraude generalizada passa por cima desse contexto, que por isso só pode contribuir para maior mau estar.
Obviamente que esse é um discurso demagógico. Os professores que metem baixa médica e que fruíam deste estatuto de mobilidade por doença são pessoas com doença grave ou que prestam assistência a familiares com esses problemas. Para fazerem isso passam um processo complexo de apresentar testemunho para a situação em que estão. O que fazem é usar um mecanismo legal e que está vigiado medicamente. Se há fraude, então tenha-se a coragem de dizer quem comete a fraude e a lei previu desde sempre mecanismos para isso. Estas 7500 juntas médicas que o ministro agora apregoa são um ato de má fé: lança um anátema sobre todos os professores. Já escrevi sobre muitos casos verdadeiramente macabros, pessoas com cancros em fase terminal que morreram na escola porque foram obrigadas a regressar por juntas médicas, essas sim fraudulentas.

“A escola a tempo inteiro é uma vergonha nacional”


O actual modelo de escola está esgotado e é preciso reinventá-la. Quem o defende é Carlos Neto, professor e especialista em Motricidade Humana, que considera que as consequências dos confinamentos devido à covid-19 nas crianças e jovens ainda não estão totalmente resolvidas. O ano lectivo arranca na próxima semana.

"As crianças não podem passar tanto tempo na escola. Têm de ter outras experiências, mais tempo com os pais, mais tempo informal. Hoje, a escola está completamente formatada e formalizada."

domingo, 9 de janeiro de 2022

Emília Brederode Santos, presidente do CNE, fala sobre o sistema educativo em Portugal


Tem um currículo invejável na área das Ciências da Educação. Autora de livros, formadora, investigadora, Maria Emília Brederode Santos defende mais espaço para as artes e a atividade física nos currículos. Preocupada com o "desgosto" das crianças em relação à escola, a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) entende haver uma visão errada da avaliação, que deve estar ao serviço da formação, e não o inverso.

"Acho que temos uma aprendizagem ao serviço da avaliação. E que devíamos ter uma avaliação ao serviço da aprendizagem."

domingo, 4 de julho de 2021

António Nóvoa: aprendizagem precisa considerar o sentir

António Nóvoa, em entrevista recente à revista Educação, "alerta que a escola não deve voltar ao que era antes, mas corre o risco de ficar ainda pior se a ênfase na tecnologia e personalização substituir o sentir e o fazer comum."

António Nóvoa: aprendizagem precisa considerar o sentir

"Nós, educadores, somos uma espécie de impenitentes otimistas. Acreditamos que pode não ser. Mas o retrocesso pode dar-se também – e está a dar-se durante a pandemia – na questão do modelo escolar. O modelo está a ser transformado, mas da pior maneira. Com uma crença de que a escola talvez não seja necessária, de que provavelmente possamos educar as crianças em casa, ou em outros espaços com recurso às tecnologias e ao digital. Pode haver uma transformação do modelo, mas num sentido profundamente negativo."

"Eu, pessoalmente, considero que o modelo escolar tem de ser alterado, mas preservando a dimensão pública da educação, preservando espaços de relação pedagógica entre professores e alunos, preservando um trabalho sobre a ideia de que a escola e a pedagogia são, sobretudo, espaços comuns – e nada disso se faz em casa. Há uma citação que tenho feito muitas vezes, de Maxine Greene (2), que ela não consegue imaginar nenhum propósito coerente para a educação se alguma coisa comum não acontecer num espaço público. Esta ideia de uma coisa comum acontecer num espaço público é na escola: é o lugar público onde podemos produzir algo comum. Portanto, podemos estar assistindo a retrocessos nas duas áreas. No investimento e numa reconfiguração do modelo escolar, que eu defendo, mas não nesse sentido."

sexta-feira, 2 de julho de 2021

A entrevista da Secretária de Estado da Educação ao Público

O Governo quer mexer na forma de entrada dos professores na carreira, que não é revista há quase uma década. Além dos actuais Quadros de Zona Pedagógica (QZP), a área geográfica à qual um professor fica vinculado, depois de completar três anos de contratos a tempo inteiro, pretende agora adicionar a possibilidade de entrada directa em quadro de escola, que até agora acontecia apenas numa fase posterior da carreira. A intenção é dar mais estabilidade aos docentes.
Na frente da formação de professores, a tutela defende que os estagiários devem ter autonomia para dar aulas a uma turma e não apenas acompanhar os docentes em várias turmas.

A Fenprof adiantou que haverá uma negociação sobre a revisão do actual regime de concursos de professores a partir de Outubro. Que mudanças tem o Ministério da Educação para propor?
Estamos a fazer um diagnóstico das necessidades do sistema educativo, como consta do programa do Governo. A fase seguinte é a forma de recrutamento dos docentes. Estas reuniões com os sindicatos foram uma primeira consulta. Queremos contar com os sindicatos neste processo, mas também alargá-lo à sociedade, que deve pensar no perfil que quer para o docente.

O foco estará no recrutamento nesta fase?
É a base da carreira e é aqui que vamos apostar. A entrada de um professor na carreira faz-se pelos Quadros de Zona Pedagógica (QZP) [área geográfica na qual um professor fica vinculado], que representa uma entrada já com anos de serviço. E só depois há uma fixação em quadro de escola. Por que não fazer a entrada directamente em quadros de agrupamento e de escola?

Qual seria a vantagem?
Há pessoas que estão em diferentes fases da vida e que têm pretensões diferentes. Uma pessoa no início da carreira tem mais flexibilidade para ir para pontos do país que outros, mais à frente, não têm. A entrada na carreira feita só de uma forma, não dá resposta a esta heterogeneidade de situações que neste momento já existem. Estamos sempre a falar da entrada na carreira depois do cumprimento da norma-travão, que implica a vinculação depois de três contratações anuais e a tempo completo. Ou em vinculações extraordinárias, como aconteceram no anterior mandato. Mas estamos a falar de entrada para responder às necessidades permanentes do sistema.
Entrando mais cedo no quadro de escola, têm a possibilidade de construir um projecto pedagógico. Construir carreiras mais estáveis, vai permitir-nos ter projectos pedagógicos mais estáveis.

Qual é que pode ser o equilíbrio entre as duas vias de entrada?
Estamos a estudar, porque precisamos de perceber quais são as necessidades. Atendendo à densidade demográfica de certas zonas do país, vamos ter que encontrar várias soluções. Há concelhos em que podemos ter que partilhar recursos. Por exemplo, para um docente que já é de quadro e que não tenha o seu horário todo preenchido, podemos ter que pensar em esquemas para facilitar que ele dê aulas na escola ao lado, de modo a manter a oferta para os alunos. Em certos territórios, isso é elemento fixador da população.

Não há um risco de as candidaturas a QZP se esvaziarem, porque toda a gente quer concorrer aos quadros de escola?
As vagas para quadro de escola serão limitadas. O equilíbrio aqui é entre o que são as necessidades do sistema e o que são as expectativas das pessoas. Um docente de início da carreira terá muito mais margem em ser colocado em quadro de escola, mesmo longe da sua origem. E o QZP até pode dar resposta às pessoas que até preferem estar mais próximo de casa. As alterações vão ter que dar tempo para as pessoas estarem informadas para fazerem escolhas.

Os concursos vão continuar a ser centralizados no ME?
Para já, estamos a falar da colocação de docentes estar centralizada no ministério. Vamos ter que pensar em situações específicas para escolas como as que estão em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP).

Há a possibilidade de as escolas poderem ter mais autonomia para contratar directamente professores?
O que tem sido falado sobre essa possibilidade, inclusive pelo meu colega João Costa [secretário de Estado Adjunto e da Educação], tinha a ver especificamente com as escolas TEIP. Estas têm um contexto completamente diferente das restantes. Temos que pensar em formas de dar resposta a estas necessidades específicas, porque em contextos TEIP o perfil do docente é ainda mais específico. Nesse sentido, podemos ter que pensar em níveis de autonomia.

A haver mexidas nesse campo, será apenas em escolas específicas como as TEIP?
Sim. Ainda vamos ter este processo de auscultação. Não é o mesmo processo, mas vai ser feito ao mesmo tempo. Vamos ter que pensar no recrutamento como um todo e depois nas situações em concreto. O programa do Governo também prevê o redimensionamento dos QZP.

No sentido de os tornar mais pequenos?
Os docentes não escolheram estar nestes QZP. Foi feito um redimensionamento, para reduzir o seu número, mas os docentes não tiveram escolha [Passaram a ser sete, em 2013, correspondendo grosso modo a uma divisão horizontal do país]. Queremos fazer um redimensionamento, mas mantendo a flexibilidade do sistema.

Também haverá mexidas nos intervalos dos horários a que os docentes concorrem?
Um docente ao candidatar-se a um intervalo horário deve saber qual é o regime de protecção social que este implica. Nós não temos capacidade de intervenção na esfera da protecção social, mas temos capacidade de fazer esta definição. Se um docente se candidata para um horário de 16 horas lectivas, sabe que tem um determinado nível de protecção social; abaixo das 16 horas tem outra. É essa definição que precisamos que o sistema lhes dê para as pessoas terem escolhas informadas.

Dizia que será necessário um diagnóstico antes de avançar com a negociação formal com os parceiros.
Uma revisão tão profunda precisa de ter em perspectiva o que vão ser as necessidades do sistema a longo prazo. Estamos a finalizar um estudo sobre as necessidades do sistema, entre cinco a dez anos, que vamos apresentar em Setembro. Só com base nesse estudo é que vamos alterar a lei, que é de 2012 (Decreto-Lei n.º 132/2012) e que tinha como paradigma o facto de existirem muitos docentes.

A ideia é que estas mudanças tenham efeitos práticos no ano lectivo de 2022/23?
É a nossa expectativa. Sendo uma revisão profunda, a administração tem que se poder adequar, as pessoas têm que estar informadas sobre as escolhas que têm pela frente, para que o sistema se consiga ajustar.

Quando se fala em recrutamento de professores, também é preciso considerar a formação inicial. São necessárias mudanças na formação de docentes no ensino superior?
Já iniciámos contactos exploratórios com as instituições de ensino superior para uma reconfiguração da formação inicial, em duas esferas. Uma é que a iniciação à prática profissional tenha um carácter mais prático, com recuperação daquilo que em tempos era o estágio com prática. E a outra via que é tentarmos puxar pessoas que não pensariam na docência como primeira saída profissional, atraindo-os com uma formação adequada.

Quais serão as mexidas nos estágios?
Fizemos contactos exploratórios e agora pretendemos agarrar este assunto para trabalhar com as instituições de ensino superior, porque nos pareceram disponíveis. O segundo ciclo [mestrado] deve ter uma vertente mais prática, que tem que ser conciliada com a possibilidade de os docentes mais velhos poderem orientar os mais novos nas escolas. Na prática, haverá estágios com atribuição de turmas, com o trabalho que isso representa.

Isso neste momento desapareceu de todo do sistema.
Actualmente, existe uma prática acompanhada. O docente-estagiário nunca tem a atribuição de uma turma. Vai com o seu orientador estando nalguns momentos de várias turmas. E o momento é que tenham atribuição de turmas com o que isto representa de formação em serviços.

Também permite disponibilização imediata de professores para o sistema de ensino.
Também, mas o que queremos, principalmente, é criar um momento em que nós temos professores mais velhos, que tendo até redução de horário na sua componente lectiva, possam ter mais tempo para disponibilizar para orientar os mais jovens.

Não vai haver mexidas em questões de progressões nas carreiras?
Desde 2018 têm sido aplicadas regras que existem desde 2011 e 2012, mas que que antes não se sabia se eram boas, se eram más, porque não tinham sido efectivamente aplicadas, porque as carreiras estavam congeladas. Na legislatura anterior descongelámos as carreiras e estamos a ver agora o impacto dessas regras. Permita-me falar na questão do copo meio-cheio e do copo meio-vazio. Quando o Governo, na semana passada, veio dizer quantos professores iam progredir para o 5.º e para o 7.º escalões.

Esse é claramente um desses exemplos de copo meio-vazio.
Eu discordo dessa ideia. Se estamos a falar de uma percentagem que este ano nunca foi menos de 64%, não pode ser meio. É menos de meio que está vazio.

Mas há um garrote no 5.º e 7.º escalões…
As quotas são questões complexas, ainda que seja um paradigma que está em implementação há mais de dez anos em toda a função pública. O que temos é isenção de vagas nos “excelentes” e “muito bons”. Nos “bons”, temos uma transição. Mesmo quem fica para trás, recebe uma bonificação de um ano. No ano seguinte é praticamente impossível não subir, porque depois o que conta é o tempo de serviço.

Mesmo tendo subido de escalão 11.500 professores este ano, pelas contas da Fenprof aumentou para o dobro os que ficam no 4.º e 6.º escalão. Por muito que subam mais no próximo ano, aquele contingente que está atrás continua a preencher-se.
Mas como nunca transitam menos de 50%, temos sempre gente a subir. O garrote não impede as pessoas efectivamente de progredir. Em 2018, não tínhamos quase professores no 10.º escalão e hoje temos mais de 10 mil. Contrariamente ao que era dito, as pessoas estão a chegar ao topo da carreira.

Já conseguimos perceber que impacto tiveram as novas regras do concurso externo lançado em Março?
Na primeira quinzena de Julho vamos ter os resultados definitivos. As escolhas foram feitas de uma maneira informada e isso é o mais importante para nós. Em relação às regras dos QZP, nós esperamos um número mesmo muito residual de docentes, que não tenham feito as escolhas pelos QZP todos. Os próprios sindicatos foram-nos dizendo que era isso que aconselhavam.

Neste momento não é possível antecipar quantos são?
Não. Nós, nesta esfera da aplicação desta regra, votámos vencido. Fomos até à até segunda instância para permitir que um docente pudesse garantir pelo menos a vaga que gera. O tribunal decidiu de forma contrária.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

A educação está a falhar no combate às desigualdades

Luís Aguiar-Conraria, economista e professor da Universidade do Minho em entrevista à Ensino Magazine
....

A tese de Costa e Silva na proposta apresentada ao governo é que devemos ter agora mais Estado na economia, mas quando se der a retoma, o Estado deve fazer marcha atrás. Por exemplo, concorda com uma espécie de TGV entre Lisboa e Porto?
Não consigo perceber. Portugal devia ocupar-se e preocupar-se em fazer as coisas que tem em mãos bem feitas em vez de estar sempre a planear coisas novas. Neste momento, temos o Alfa Pendular Lisboa-Porto (e que também vem até Braga) e em grande parte desta linha o comboio não vem à velocidade máxima possível. Já entre Braga e o Porto demora 45 minutos, quando devia demorar 15 minutos. O que era perfeitamente viável com a estrutura que temos. Preferimos perder tempo a discutir investimentos altíssimos, alguns deles sem qualquer análise custo-benefício. Para além disso, ainda não metemos o Alfa Pendular a funcionar como deve ser e já falamos de uma nova linha. Não consigo perceber a lógica. São ideias que eu considero tolas.

Fala-se que Portugal é um país de reformas adiadas. Ao nível da qualificação, qual identifica como a principal transformação a desenvolver?
Primeiro, é preciso dizer que qualquer reforma bem feita que se faça só terá impacto nos próximos vinte anos. Não há balas mágicas. Há vários estudos cognitivos e de educação que mostram que estudar quando se é jovem é uma coisa e quando se é adulto é outra. Por isso, numa faixa etária mais elevada será difícil que qualquer esforço de qualificação altere a capacidade produtiva de forma radical. Logo, ao nível da qualificação das pessoas, o que me parece sensato fazer é um investimento a longo prazo, ou seja, nas escolas e na educação. Mas como disse, os efeitos só se irão sentir ao longo de gerações. Do lado das empresas, as que forem melhor geridas, do ponto de vista dos processos produtivos, funcionam melhor. Mas isso é um trabalho que compete aos gestores e aos empresários.

A pandemia e o confinamento mudaram tudo e a escola não escapou. O ministro da Educação disse que este «foi o ano em que a escola se reinventou». Concorda?
A escola, os alunos e os professores não se reinventaram, eu acho que se desenrascaram. E dentro do que era possível, acho que correu bem, até pela urgência do processo, nomeadamente ao nível das ferramentas informáticas. Vários estudos concluem que o ensino à distância não funciona tão bem como o ensino presencial e basta falar da técnica de dar uma aula numa sala para perceber isto. Eu «agarrar» um aluno numa sala não é o mesmo que «agarrar» um aluno no computador - aliás, numa videoconferência metade dos alunos tem as câmaras desligadas, uns por boas razões (porque a rede é fraca) e outros por más razões, simplesmente porque lá não estão. Faz toda a diferença.

Quem perdeu mais com o confinamento?
Claramente os alunos. A minha vida, enquanto professor, no próximo ano letivo continua na mesma - isto se tudo voltar mais ou menos à normalidade. Já o aluno pode ter perdido cerca de três meses de aulas que podem ter sido importantes. Mas creio que este problema manifesta-se com maior gravidade em níveis de ensino inferiores (secundário e básico) e não tanto nas universidades.

Defende que o combate às desigualdades só se garante com uma boa educação para as crianças das classes mais desfavorecidas. Esta pandemia expôs as assimetrias do sistema educativo português?
As fragilidades já eram conhecidas, isto apesar de termos melhorado nos últimos anos nos resultados comparativos internacionais. Mas se for ver esses relatórios ao detalhe, constatará que a performance dos alunos portugueses é a que mais correlacionada está com as qualificações dos pais. O que isto nos diz é que o sistema educativo é muito mau a promover as crianças que veem de famílias mais desfavorecidas. Isto já era um facto e a pandemia só veio agravar.

O plano de regresso às aulas e de recuperação da aprendizagem foi o que esperava?
Andei semanas nas redes sociais a pedir que o Ministério da Educação apresentasse um plano para o regresso às aulas. Não sendo especialista em educação, em particular nos graus do básico e do secundário, mas parece-me que tudo o que foi anunciado é o correto. Ou seja, reforço dos docentes, criação de tutorias para dar explicação aos alunos com mais dificuldades, redução das férias, parecem-me decisões bem tomadas. Mas fiquei logo assustado e de pé atrás quando ouvi a verba envolvida para concretizar estas medidas: 125 milhões de euros. Não é nada. Para ter a noção, a proposta do CDS aprovada no Parlamento para não haver devolução de manuais custa…150 milhões de euros. Não posso acreditar que um projeto de recuperação e aprendizagem custe menos do que isto. E quando começamos a pegar nos detalhes, concluímos que o que está previsto para contratar professores extra é menos do que um professor por escola. É a isto que chamam um grande plano?

Queixa-se da escassez de recursos alocados para a educação. A educação já não apaixona, como no tempo de Guterres ou é fogo que arde sem se ver?
Pode não ter existido um pacto formal entre partidos para a educação, mas é preciso reconhecer que nos últimos 30 anos têm sido feitos muitos progressos. Temos defeitos estruturais e a grande pecha que eu aponto é o facto de a educação não parecer ser um bom elevador social e de estar a falhar no papel de combate às desigualdades. São problemas que têm de ser rapidamente atacados. Para além disso, preocupa-me o movimento de segregação social nas escolas, em que as famílias que não conseguem por os seus filhos nas escolas públicas de elite nos grandes centros urbanos e acabam por pô-los nas privadas. Neste contexto, as classes sociais mantêm-se afastadas umas das outras e isso é o caldo para se perpetuarem as classes sociais como elas estão. E é também nesta dimensão que o nosso ensino está a falhar.

Como avalia o trabalho desenvolvido pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues?
Acho mesmo que este ministro é muito fraquinho. Não há volta a dar. Tenho medo de estar a ser injusto, mas acho que ele está a fazer o melhor que pode. Não tem a noção dos problemas que tem em mãos.

sábado, 4 de julho de 2020

Ministro da Educação na entrevista ao Expresso

A destacar da primeira parte da entrevista de Tiago Brandão Rodrigues ao jornal Expresso.  

"O que nos disse a DGS para o ano letivo 2020/2021 é que temos de ter a utilização de máscara, comunitária ou cirúrgica, a partir do 2º ciclo e o distanciamento de 1 metro sempre que possível. Mas temos de ser claros: é impossível multiplicar por dois a capacidade das escolas ou o corpo docente de forma a reduzir cada turma para metade.

Os alunos vão caber todos na mesma sala. Não haverá desdobramento de turmas. A única obrigatoriedade é a máscara a partir do 2º ciclo. O distanciamento (entre alunos) não.

As regras para mitigar a propagação do vírus não se reduzem à distância física. A higienização dos espaços e a lavagem das mãos, a etiqueta respiratória e a existência de ‘bolhas’, isto é, a divisão em grupos para que, se houver um caso positivo, possamos identificar e isolar os que estiveram em contacto com ele, são muito importantes. No 1º ciclo é isso que teremos.

Este ano, especificamente, haverá um enfoque nas aprendizagens essenciais, que servirão de referência. Por outro lado, as escolas vão ter mais recursos humanos, por exemplo para fazerem coadjuvações (dois professores numa sala) e dar apoios. E teremos um conjunto de outros professores que vão trabalhar com os alunos com mais dificuldades.

E haverá ainda mais professores para as equipas multidisciplinares de apoio aos alunos que têm necessidades específicas e que são os que mais ficam para trás.

Vamos ter um reforço muito substancial de docentes que equivale ao horário integral de cerca de 2500 professores. Pensando que cada professor tem 35 horas de trabalho, são todas essas horas que vamos ter (a mais) nas nossas escolas.

Queremos dar prioridade às crianças em risco, às mais novas que têm menos autonomia, aos beneficiários da ação social escolar e aos que necessitam de apoio especializado no âmbito da educação inclusiva. Se existirem constrangimentos que impeçam todos de estar na escola ao mesmo tempo, essas crianças serão alvo de ensino presencial porque têm mais dificuldade de acompanhar o ensino à distância ou para poderem ter todas as terapias de que necessitam.

O objetivo é dar computadores a todos os alunos e professores do sistema público, o que vai acontecer paulatinamente já a partir do próximo ano.

O nosso objetivo é poder continuar a ter soluções através da televisão que sejam universais, disponíveis logo a partir do início do ano."

Frases
“É impossível multiplicar por dois a capacidade das escolas ou o corpo docente de forma a reduzir cada turma para metade”
“Faço uma avaliação claramente positiva do trabalho que fizeram escolas, docentes, diretores”
“Não temos nenhum caso conhecido de propagação (do vírus) em ambiente escolar”
“O objetivo é dar computadores a todos os alunos e professores do sistema público”
“Teremos férias intercalares mais curtas, nomeadamente na Páscoa, para irmos ganhando dias”
“Vamos ter um reforço muito substancial de docentes”

Entrevista a Tiago Brandão Rodrigues - Expresso

Com vídeo

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Critério para a pré-reforma; estar em monodocência!?

...
Mas já disse que há algum trabalho feito…

Na Educação, há bastante trabalho feito. Há um conjunto de critérios razoavelmente trabalhados para o que poderia fazer sentido. E agora vamos recensear outras situações para podermos fazer esta análise mais estrutural dos vários setores.

Que critérios são esses?

Por exemplo, na Educação, um dos critérios é se o professor está em monodocência ou não. Isto é, se é um professor do primeiro ciclo ou do pré-escolar para as áreas todas [monodocência] ou se é um professor de ensino mais à frente, onde dá aulas a várias turmas. E toda a gente percebe que, na monodocência — até porque os meninos têm tenra idade — faz sentido que um professor, se calhar, aos 57 anos possa vir para a pré-reforma. Se calhar numa área em que se dá aulas ao 12º ano, isso não faz sentido, porque as exigências numa criança mais pequena ou num jovem já adolescente… Essas ponderações gestionárias têm de ser feitas.

Portanto, um professor em monodocência conseguirá entrar mais facilmente na pré-reforma do que outro?

Têm de ser estabelecidos critérios objetivos que permitam analisar os pedidos que estão feitos. Os critérios que permitam passar todos os pedidos pelo mesmo crivo têm de ser trabalhados em primeira linha pelos ministérios setoriais e nós pediremos aos ministérios essa densificação. Uma coisa tem de acontecer: tem de haver critérios objetivos que permitam filtrar todos os pedidos que estejam formulados, para que as pessoas percebam porque é que um é admitido e outro é rejeitado.

Chegou a ser escrito que este regime de pré-reforma poderá vir a facilitar a saída especialmente aos professores. É essa a ideia?

Acho que isso foi uma circunstância que decorreu do facto de eu ter recorrido, como recorri agora, a um exemplo que já conheço [o da Educação], mas não é uma figura apenas para os professores. Há seguramente outras áreas onde haverá critérios próprios.

Mas a carreira docente não será aquela que tem mais pedidos?

Estamos a fazer um levantamento junto dos ministérios. Está em curso ainda o prazo para essa resposta sobre quantos pedidos cada área tem pendentes, para termos essa visão de conjunto antes de partirmos para a análise.

"Acho que não há dúvidas que a carreira docente é uma que tem justificação material para a sua especialidade."

Entrevista Completa ECO

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

António Costa em campanha volta a lembra-se dos monodocentes

Depois das palavras proferidas no dia 8 de junho de 2017, na Assembleia da República e questionado em algumas ocasiões sobre o assunto, de António Costa, agora candidato, nunca se ouviu uma única palavra ou ação sobre a situação da monodocência dos Educadores de Infância e Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico. 

Como estamos em pré-campanha eleitoral e porque também o jornal Expresso quer que continuemos capturados por um governo que não dignifica a carreira docente e maltrata os educadores e professores,  António Costa volta a lembrar-se dos docentes em monodocência, tentando "captar a simpatia de uma carreira que em muitos momentos desafiou o Governo" mas, após as eleições, rapidamente se esquece ou ignora com a justificação de que não há sustentabilidade financeira para tais medidas, enquanto continua a esbanjar milhões na banca, nas parcerias e nos estranhos  negócios de um estado esbanjador.

Aqui fica o avanço da entrevista a publicar no Expresso do próximo sábado.
...
"Mesmo assim, olhando para os anos que se seguem (e no pressuposto de que vence as legislativas de outubro), o líder socialista diz querer sentar-se com os professores para renegociar aspetos das suas carreiras. Mas com bandeira branca levantada. Costa quer falar de “fatores fundamentais que são habitualmente pouco falados”. E dá dois exemplos: “A questão da estabilidade do corpo docente na escolas”, porque “nada justifica que os professores sejam a única carreira na função pública sujeita, durante uma fase muito longa da vida (de quatro em quatro anos) a um concurso que pode levar os professores a andar a mudar de residência durante várias dezenas de anos”. E, segunda questão relevante, a questão das “monodocências”: “Os educadores do primeiro ciclo não beneficiam das reduções de horários nem da carga de trabalho de que os outros professores beneficiam ao longo da vida”.

“Seria altura para nos dedicarmos mais a temas que têm a ver com a vida dos professores, melhorando a qualidade do ensino, em vez de nos consumirmos tempos infindáveis a revisitar temos sobre os quais não haverá conclusão”, afirma o primeiro-ministro, procurando captar a simpatia de uma carreira que em muitos momentos desafiou o Governo – nomeadamente com a questão da contagem integral das carreiras congeladas por mais de nove anos."
...

Expresso

sábado, 24 de novembro de 2018

Presidente do CNE diz que "está no hora de acabar com a cultura do chumbo"

presidente do Conselho Nacional de Educação diz em entrevista que está na hora de acabar com a cultura do chumbo. E que é responsabilidade das escolas encontrar novas formas de os alunos aprenderem.

Acabar com as retenções e com o 2.º ciclo do Básico foram duas das ideias defendidas por Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação, no prefácio do “Estado da Educação”, relatório apresentado na quarta-feira e um dos mais importantes para perceber como vão as escolas e os alunos em Portugal.

O que é que esta ideia quer dizer exatamente? Em entrevista ao Observador, a presidente do CNE explica que, acima de tudo, quis dizer que está na altura de o sistema educativo olhar para dentro e perceber que ele próprio cria obstáculos à aprendizagem dos alunos. Um deles surge nos momentos de transição de ciclo, altura em que o maior número de estudantes chumba. Para minorar este efeito, Maria Emília Brederode acabaria com um dos ciclos — o segundo –, o que implicaria reestruturar 
todo o ensino básico, começando pela forma de ensinar e avaliar as crianças e jovens.
...

Para ficar claro, o que é isto de acabar com o 2.º ciclo? Não é acabar com o 5.º e o 6.º ano…

[Risos] Alguém me dizia assim: mas os alunos passam do 1.º ciclo para o 3.º?

Mas também não é mudar o nome, pois não? Se dissermos que o 5.º e o 6.º ano passam a ser integrados no 1.º ciclo fica tudo na mesma. Qual era a sua ideia?

A ideia é a estrutura ser mais semelhante, ou seja, o 1.º e o 2.º ciclo integrarem-se num único ciclo em que a modalidade 3+3 seria possível: os três primeiros anos do básico seriam mais parecidos com a nossa antiga primária, com um professor único, e nos três anos a seguir já haveria alguma especialização, mas sem se cair na multiplicidade tão grande que é hoje o 2.º ciclo. É uma transição mais suave.

Não tem nenhuma solução preferida?

Pessoalmente, gosto desta, mas isso não tem importância nenhuma. [risos]

Outra solução de que se fala muito é o 6+6, em que o 3.º ciclo do básico fica agrupado com o atual secundário [10.º ao 12.º ano].

Sim, o que proponho é quase o 6+6. Dentro do agrupamento dos seis primeiros anos há muitas soluções possíveis, mas a mim parece-me importante manter os primeiros nove anos no básico como um ciclo unificado, não os juntaria ao secundário.

Esta solução de que fala não é uma proposta oficial? 

Não e gostava que isso ficasse claro. Uma recomendação do CNE tem um processo moroso e tem de haver um estudo prévio, um debate nas comissões, ir a plenário, ser votado. Este assunto já foi debatido no CNE há bastante tempo, mas teria de ser atualizado. É uma posição pessoal minha, que coloquei no prefácio do “Estado da Educação” e fiquei espantada com o volume que tomou. Eu só digo, no meio de várias outras coisas, que seria de repensar a organização do ensino básico, designadamente a velha questão do 2.º ciclo, um ano para entrar, outro para sair, dadas as dificuldade nos anos de transição. É uma sugestão pessoal, entre muitas outras.
...

Entrevista completa no Observador

domingo, 30 de setembro de 2018

BE só aprova Orçamento se houver dinheiro para contar tempo de serviço congelado

A entrevista de Catarina Martins ao Diário de Notícias 

 ...

Uma coisa é o descongelamento, outra coisa é a compensação pelos anos em que elas tiveram congeladas.

Mas não é isso que os professores pedem. O erro está aí. Os professores não estão a pedir nenhuma compensação pelos anos que perderam. Não estão a pedir retroativos de nada. O que é que os professores estão a pedir? Estão a pedir que quando sejam reposicionados nos vários escalões da carreira sejam tidos em conta aqueles nove anos em que esteve congelada. Portanto, uma pessoa que trabalhou aqueles nove anos há de ter uma progressão; uma que só trabalhou sete anos há de ter outra, mas os nove anos contam para saber em que escalão é que os professores ficam.

O que é que diz o Orçamento do Estado que foi aprovado no ano passado? É que esses nove anos têm de contar para o reposicionamento dos professores na sua carreira. Mas também diz o seguinte, e é isso que abre a porta às negociações: que a forma como é feito esse descongelamento há de ser negociada no tempo. Ou seja, nós aceitámos que em vez de se reposicionar os professores todos logo nos escalões respetivos, que seria num único ano um grande esforço orçamental, se pensasse ao longo do tempo como é que se poderia fazer esse reposicionamento. Ou seja, os professores recuperavam X anos agora, outros anos no Orçamento seguinte etc. para espalhar esse esforço orçamental. Nunca estamos a falar de pagar retroativos. Estamos só a dizer em que posição da carreira é que as pessoas ficam com os anos que têm. Acresce que os professores, que é uma coisa que muitas vezes não é dita, têm escalões em que só metade é que podem passar, ou seja, há mecanismos que já são muito violentos, que já tolhem a carreira dos professores, que não os deixam subir de escalão e portanto nem sequer estamos a falar em acabar com esses mecanismos. Nada disso.

Mas é óbvio que esse reposicionamento tem um custo real, ou seja, as pessoas progrediram na carreira e não têm tido retroativos, não é?

Tem um custo real mas, mais uma vez, não estão a pedir retroativos, só estão a pedir para ficarem no sítio certo da carreira e que isto seja feito faseadamente. É este faseamento que o governo pode renegociar e se conta ou não o tempo de serviço. E o que nós dizemos e vamos continuar a dizer é: o BE não vai aprovar neste Orçamento nenhuma medida que permita ao governo não cumprir o que foi aprovado no outro Orçamento, o que quer dizer que os professores neste momento têm a lei do lado deles e, portanto, é aconselhável que este Orçamento do Estado, para ser bem executado, já fosse pensado com as negociações fechadas para se saber exatamente qual é o impacto orçamental do descongelamento em cada ano.


E se as negociações não estiverem fechadas?

Bem, o governo pode sempre fazer uma parte do descongelamento no próximo ano. Os sindicatos nunca fecharam a porta a que uma parte dos descongelamentos fosse feita agora e outras nos próximos anos. O problema é que depois não acaba. Não fica fechado. Porque o governo, imagine, dá agora os dois anos e não sei quantos quer dar em vez dos nove em 2019. Muito bem, mas em 2020 vai ter de dar mais, porque a lei que nós aprovámos em 2018 dizia que era o tempo de serviço todo. Portanto, se o governo não negoceia, acaba por estar a passar para o próximo governo um bom berbicacho que devia resolver.


Mas, de qualquer forma, para que haja aprovação do Bloco a este Orçamento tem de haver algum tipo de acordo com os professores agora?

Tem de haver verba orçamental para descongelar a carreira. E nós não vamos aprovar outra lei, a menos que a direita faça isso e eu espero que não, o governo mais tarde ou mais cedo...


Mas admite essa possibilidade?

Julgo que seria absolutamente disparatado tal coisa acontecer. 

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

"Voltar a dar autoridade aos professores é um dos segredos"


Inger Enkvist é uma professora que conhece bem os sistemas educativos onde o sucesso impera. Voltar a dar autoridade aos professores é um dos segredos. Não ter medo de dizer "não" aos filhos é outro.

A docente, que deu aulas do secundário ao ensino superior, é crítica da “nova pedagogia” e defende o regresso a uma escola onde os professores são a autoridade, os alunos aprendem em turmas de nível e os pais têm uma palavra a dizer... mas em suas casas.

A entrevista completa no Público

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Um esclarecimento que não esclarece

Esclarecimento sobre entrevista a Secretária de Estado Adjunta e da Educação

Relativamente à entrevista da Secretaria de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, publicada esta quarta-feira no Jornal de Negócios, com o título de capa «Mexer na idade da reforma dos professores é "um caminho possível"», cumpre esclarecer que, tal como a Secretaria de Estado referiu e está escrito no texto da notícia, esta proposta «não está em cima da mesa. Por circunstâncias várias não foi essa a proposta a que o Governo chegou». Também como é referido na entrevista, o envelhecimento do corpo docente é algo que preocupa o Ministério da Educação, mas a proposta de redução de idade da reforma «não é agora o que está em cima da mesa».

sábado, 2 de abril de 2016

A entrevista de Paulo Guinote ao Jornal de Letras

Depois de gastarmos 2,80 € na compra do Jornal de Letras e de nos revermos em muitas das opiniões do Paulo Guinote reveladas nesta entrevista, e como o próprio a divulgou no seu Quintal, aqui fica a sugestão para uma boa leitura de fim de semana. 

Jornal de Letras, 30/03/20126

JL/Educação: O que o levou a escrever as Memórias da Grande Marcha dos Professores, agora, passados oito anos sobre o acontecimento?
Paulo Guinote: A ideia surgiu a partir de um convite da editora, Bárbara Simões, e de um encontro em que se discutiram várias possibilidades de colaboração. Tive a felicidade de ter sido aceite esta proposta que andava já há algum tempo a interessar-me, até em virtude da ausência de inversão de muitas das políticas educativas que uniram naquele tempo, na oposição à sua implementação, os professores. Quis escrever um livro que desse voz aos participantes “de base” da manifestação e não confrontar os discursos oficiais dos atores institucionais.

Estamos a falar da maior manifestação de professores que já aconteceu em Portugal, com cerca de 100 mil participantes. Esta grande mobilização também o interessou?
Foi um momento singular na nossa sociedade. Quer pela forma como decorreu, desde a mobilização (com grande suporte dos meios digitais) ao seu desfecho (uma multidão ordeira que desagua no Terreiro do Paço para cantar o hino nacional), quer pelo impacto que teve. Interessava-me, sobretudo, preservar a memória desse momento. Publicar um livro que, mesmo com as suas lacunas ou com a clara admissão de não ser um olhar neutral, “lutasse” contra o esquecimento e a truncagem ou manipulação do passado.

Considera que não se lhe deu a devida importância?
Parece-me que é um acontecimento que interessa deixar cair no esquecimento. Além disso, tem-se sublinhado o papel inovador de outras manifestações posteriores – como as que ficaram conhecidas como “Geração à Rasca” ou “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!” – no que diz respeito ao processo de mobilização em rede de grandes massas. No fundo, tem-se tentado esvaziar o significado singular que aquela manifestação teve naquela altura.

Como recorda esse dia 8 de março de 2008?
Foi a primeira grande manifestação a que fui, de resto só tinha participado em pequenas manifestações locais de preparação para essa. Recordo esse dia como um momento de ansiedade e descompressão. Ansiedade porque não sabia bem o que iria acontecer, apesar dos sinais de que seria algo diferente de tudo o que se tinha passado até esse momento; de descompressão pela alegria e o sentimento de comunhão que cedo se instalou entre gente de todas as zonas do país, origens académicas e situação na carreira.

Como explica tamanha adesão?
Resultou, antes de mais, de um sentimento generalizado de injustiça e de atentado à dignidade profissional de muita gente que, com este ou aquele defeito e independentemente da existência de melhores ou piores exemplos individuais, sempre procurou desempenhar a sua função com brio e profissionalismo. A forma como os professores foram publicamente achincalhados por diversos governantes, de toda a equipa do Ministério da Educação ao próprio primeiro-ministro, a que se acrescentaram muitos ecos na opinião pública, causou uma comoção enorme que se juntou ao repúdio de medidas como a divisão da carreira em duas categorias ou uma avaliação de desempenho que era um monstro burocrático. Em seguida, o facto de tudo isso se ter passado num momento em que os novos meios de comunicação digital estavam a ganhar um enorme impacto na sociedade, permitiu uma partilha inédita de experiências, o estabelecimento de redes informais de contactos por todo o país e uma sensação de pertença a uma classe profissional colocada em cheque perante a opinião pública e os seus próprios alunos.

O Governo que se seguiu, com Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro e Nuno Crato como ministro da Educação e Ciência, foi marcado por uma forte e permanente contestação à política educativa (e não só). Do seu ponto de vista, o que fez com que não tenha existido uma réplica da “Grande Marcha dos Professores”?
Em grande parte, o desfecho daquela manifestação, nomeadamente o Memorando de Entendimento que a maioria dos professores sentiu ter sido negociado à sua revelia. Mas também o desfecho das manifestações que se seguiram até meados de 2009. Houve uma enorme sensação de desânimo, mesmo entre gente que não tinha grandes esperanças em mudanças radicais (como é o caso de vários professores que responderam ao meu inquérito). Apesar disso, verificou-se em 2013 uma greve às avaliações, rotativa, que teve um enorme impacto nas escolas, muitas vezes organizada de forma espontânea (embora beneficiando do pré-aviso de alguns sindicatos), mas que também acabou por terminar a contragosto, em virtude de mais um acordo entre os representantes sindicais e a tutela.

Que ‘herança’ deixou a “Grande Marcha”?
Um circuito de informação entre pessoas que, nalguns casos, nem se conhecem pessoalmente. Quebrou-se o isolamento dos professores nas suas escolas e das próprias escolas, que começaram a comunicar com muita facilidade através de meios digitais (blogues, email, redes sociais, etc.). Criou-se um sentimento e uma prática de partilha de experiências. Isso facilitou, por exemplo, a tal greve às avaliações, em 2013. Há 10/20 anos, as pessoas ficariam em dúvida sobre o que fazer nas suas escolas, sem saber se estariam a ser acompanhadas por outros colegas. Esta comunicação em rede permitiu que a informação circulasse muito mais rapidamente e que se acertassem estratégias para essas greves.

Nessa altura, já tinha o seu blogue ‘A Educação do Meu Umbigo’. Foi a partir de 2008 que a dinâmica da blogosfera docente se intensificou?
Sem dúvida. Entre 2007 e o final de 2008, as visualizações e os comentários aos posts multiplicaram-se. Passei a ter 300/400/500 comentários por post, quando antes tinha no máximo 15. Nesse período percebeu-se também que já havia muitos blogues de partilha de experiências sobre a prática letiva. E depois foram surgindo outros que se dedicavam mais a discutir o que se estava a passar na atualidade e a publicar documentos e informação que pudessem ser úteis para os outros professores.

Parece que essa dinâmica entretanto desacelerou.
Deslocou-se para as redes sociais, sobretudo para o Facebook. Mas em momentos mais “polémicos”, como o actual, em torno da avaliação dos alunos do Ensino Básico, volta a acelerar.

Refere-se ao anúncio que o ministro da Educação fez há poucos dias, dizendo que o novo modelo de avaliação só será obrigatório no ano letivo de 2016/2017 e que este ano serão as escolas a decidir se realizam as novas provas de aferição do 2º, 5º e 8º anos, bem como as provas do 4º e 6º anos. Como vê esta situação?
Com um misto de incredulidade (em especial com a possibilidade de serem feitas as provas “nocivas” do 4º ano) com naturalidade, pois desde o início achei que o novo modelo de avaliação era demasiado complexo para ser erguido em três meses. Sinto ainda algum desgosto pelos truques semânticos como aquele de “devolver às escolas” a decisão de fazer as provas, sendo que a decisão é da responsabilidade única do diretor, após ouvir de forma meramente consultiva o Conselho Pedagógico e nem sequer consultar o Conselho Geral, onde estão representados os encarregados de educação.

Pondo de lado a questão de quando serão introduzidas, considera positivas as provas de aferição do 2º, 5º e 8º anos?
O modelo proposto tem as suas qualidades, mas também apresenta limitações. É interessante que se faça aferição a meio dos ciclos, mas é estranho que depois não se faça qualquer verificação no final desse mesmo ciclo (como acontece, por exemplo, com a prova do 2º ano). Eu preferia que se tivesse demorado mais tempo a implementar o modelo e o mesmo viesse em conjunto com uma reformulação dos ciclos de escolaridade do Ensino Básico.

E o que pensa da eliminação dos exames do 4º e 6º anos?
É uma medida essencialmente ideológica, em especial a do 4º ano, contra a qual podem ser esgrimidos argumentos válidos mas nunca equipará-las, nos seus 30% de peso na nota final, aos “exames da 4ª classe” que eram eliminatórios…

Que ‘balanço’ faz destes quatro meses de trabalho do novo ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues?
Começou por ser favorável, porque anunciou o fim de algumas medidas desnecessariamente polémicas e que causavam mal-estar nas escolas (como a PACC [Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades], a Bolsa de Contratação de Escolas, a mobilidade) ou a reavaliação de outras claramente desajustadas (um ensino “vocacional” desde o 2º ciclo, com escasso sentido numa escolaridade obrigatória de 12 anos). No entanto, tem vindo a passar para um plano mais ambíguo, ou mesmo negativo, com a incapacidade de inverter políticas como a concentração da rede escolar, agravando assimetrias regionais e locais; o modelo único de gestão escolar, do qual a partilha de decisões está quase ausente; ou a incapacidade para dar um sinal de redignificação da carreira docente. A única preocupação parece centrar-se na questão da avaliação externa das aprendizagens, a reboque de uma decisão parlamentar, alegando de forma demagógica que a preocupação central das políticas devem ser os “alunos”.

Porquê demagógica?
Os alunos não ganham nada com escolas que funcionam de forma errada, com uma rede que implica deslocações de dezenas de quilómetros no primeiro ciclo e em que a distância entre os decisores e as salas de aula é cada vez maior. A isto acresce o discurso dúbio acerca da municipalização de competências na Educação e a ideia terceiro-mundista de que a escola deve servir a desregulação dos horários laborais.

Referiu a “incapacidade para dar um sinal de redignificação da carreira docente”. No seu entender, o que importa fazer nesse sentido?
Todos os governos falam na dignificação da carreira docente, só que o conceito de dignificação do governo é diferente do dos professores. Por exemplo, a ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que motivou as reações mais violentas por parte dos professores, pensava estar a fazer algo para dignificar a carreira docente. É um conceito esvaziado de conteúdo.Porque aquilo que dignifica uma carreira, seja ela qual for, é o respeito para com os profissionais; a forma como se tratam publicamente esses profissionais; e as condições materiais da sua carreira.

Não houve ainda um ‘sinal’ de mudança nesses aspetos?
Ao longo dos últimos governos, pelo menos desde o primeiro mandato de José Sócrates, poderão ter tido diferenças de estilo no tratamento público da carreira docente, mas em termos materiais e de dar perspetivas de progressão, nenhum deles alterou seja o que for. A carreira continua congelada em oito dos últimos dez anos, sendo ainda sobrecarregada com as sobretaxas… Isto significa uma proletarização da docência. Já em relação ao tratamento público, houve um período mais agressivo, até 2011, que entretanto abrandou. Mas há aspetos negativos que se mantêm.

Tais como…?
Continua sem haver a capacidade de atribuir as boas notícias da Educação ao trabalho em sala de aula. Normalmente aparecem os ministros a dizer que os resultados são fruto de políticas muito bem desenhadas. Em contrapartida, o que é mau acontece ‘por culpa’ dos professores. Isto ainda não mudou com o atual ministro.

Uma das críticas recorrentes da comunidade educativa – e que voltámos a ouvir nos últimos dias a propósito da avaliação dos alunos – é a ‘ausência de diálogo’ por parte do Ministério da Educação. É necessário (re)aproximar “quem decide” de “quem está no terreno”?
É indispensável e não pode confundir-se com reuniões apenas com diretores ou visitas a escolas escolhidas a dedo, onde se sabe que não existirá qualquer contestação a partir da base. Por exemplo, na questão da municipalização apenas há “diálogo” entre “decisores”, ministério, autarcas e eventualmente diretores, sendo que esse é um processo que vai agravar a distância entre os decisores e quem é atingido pelas suas decisões.

É preciso ouvir mais os professores?
Sim. Parece-me que o facto de se ter sublinhado em excesso que os professores eram corporativos e que as suas exigências eram apenas em seu interesse próprio e não dos alunos, fez com que, muitas vezes, os políticos considerassem que entrar em diálogo com os professores era igual a entrar em diálogo com os sindicatos ou com os diretores. Isto, para os professores, é uma grande ofensa. Do ponto de vista formal, os nossos representantes são os diretores e os sindicatos, mas sentimos que a nossa voz de professores em sala de aula raramente é ouvida.

Que mecanismos poderiam ajudar a esse diálogo?
As escolas deveriam poder escolher o modelo de gestão que julgam mais adequado, ao contrário de estarem “reféns” de um modelo único que centra tudo numa pessoa: o diretor. Além disso, existe um órgão nas escolas chamado Conselho Geral, onde estão representados os encarregados de educação, que não é consultado para nenhuma decisão importante. Neste momento, temos um modelo em que a tutela reúne com o seu subordinado nas escolas (o diretor), com quem estabelece uma relação de hierarquia e obediência. É um modelo que raramente potencia o debate e a partilha de decisões. A lógica do sistema é a de uma correia de transmissão de poder e de decisões sempre do topo para a base, sendo que a base (os professores) nunca é ouvida.

Em termos práticos, talvez seja complicado fazer essa consulta alargada?
Concordo. Por isso mesmo deveria começar-se por estabelecer o hábito de reunir todos os professores da escola e envolve-los nas decisões. Não é porque o diretor foi reunir com o ministro que transmitiu o sentir de um agrupamento de 300 professores. O mecanismo de consulta tem que ser muito aprofundado dentro das escolas para que o diretor não seja apenas um representante do Ministério na escola, mas também um representante da escola junto do Ministério.

Quais são, para si, os grandes desafios da Educação em Portugal neste momento?
Há o enorme desafio da estabilidade a sério, desde a escala macro, sendo imperativo que o enquadramento legislativo esteja em constantes reformas de maior ou menor dimensão, à escala micro, pois o trabalho em sala de aula não pode estar permanentemente prisioneiro da reformulação dos programas e metas disciplinares, bem como da eliminação ou recalendarização de provas. Passando pela estabilidade do trabalho dos professores com os alunos, que não pode depender de micro-poupanças de escala na gestão dos horários ou dos apoios prestados aos alunos com maiores vulnerabilidades. Para além disso, seria importante travar e mesmo inverter (não chega reverter) a lógica economicista na gestão da rede escolar, o modelo único, hierarquizado e baseado na nomeação e obediência de gestão escolar, ou a enorme desigualdade de investimento nos equipamentos escolares que faz com que exista uma rede pública a várias velocidades.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Entrevista de Paulo Guinote ao Expresso


Paulo Guinote Professor e autor do livro “A Grande Marcha dos Professores”


Nunca se tinha assistido a nada assim. A 8 de março de 2008, cerca de 100 mil professores saíram à rua naquela que foi a maior manifestação de uma classe profissional alguma vez realizada em Portugal. Queriam contestar a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, que elegeram como inimigo nº 1, e acabar com o modelo de avaliação de desempenho assente na divisão da carreira em duas categorias, que acabou por não avançar.

Oito anos depois, Paulo Guinote, professor de Português do 2º ciclo e autor do popular blogue “Educação do Meu Umbigo”, entretanto extinto, recorda o protesto sem precedentes no livro “A Grande Marcha dos Professores”, que será lançado esta semana. Hoje, garante, os docentes estão ainda mais desanimados do que na altura.

O que mais recorda desse dia?
Lembro-me de uma altura em que estava a meio da Avenida da Liberdade, olhei à minha volta e vi-me completamente rodeado de gente. Para quem, como eu, nunca tinha estado numa manifestação, era uma sensação bastante estranha.

Que marcas deixou nas escolas?
Vendo com esta distância, acho que deixou marcas de desânimo e alguma tristeza. Houve demasiada esperança para tudo o que não foi conseguido. Nenhuma reivindicação essencial foi satisfeita.

Mas a distinção entre professores e professores titulares não foi para a frente e o próprio modelo de avaliação foi muito simplificado.
Aquela avaliação não era possível de pôr em prática porque acarretava um tal peso burocrático e tanto tempo para ser concretizada que quase paralisaria o funcionamento das escolas. Não tínhamos e continuamos a não ter gente suficiente nas escolas com o reconhecimento pelos pares e a formação específica para proceder a uma avaliação rigorosa. Ainda hoje, não passa de uma ficção, em que as pessoas que avaliam têm a mesma qualificação daquelas que estão a ser avaliadas e que não permite detetar as más práticas docentes.

Não é possível distinguir os bons dos maus professores?
Com o modelo em vigor, os professores, e mesmo assim não os de todos os escalões, só têm duas aulas assistidas. Ora, um professor dá perto de 700 aulas por ano. Sendo as aulas assistidas marcadas previamente, mesmo um mau professor consegue dar duas aulas razoáveis. Poderá fazer imensamente mal em todas as outras, que não passará pelo crivo desta avaliação. Já na altura o modelo tinha esse erro. Uma avaliação eficaz baseia-se num acompanhamento de proximidade e de continuidade, que não existe.

Mas se os professores não reconhecem aos seus pares a qualificação e formação necessárias para o fazer, quem assumiria esse papel?
Tem de ser construído a médio prazo. Não é possível pôr um modelo de avaliação de qualidade a funcionar em dois ou três anos. Tem de existir um período de formação e de experimentação nas escolas. Todos nós sabemos quem são os maus profissionais. O que tem de haver é autoridade de alguém, reconhecida pelo grupo, e coragem dessa pessoa em confrontar quem sabemos que tem práticas menos corretas para dizer “ou alteras a tua prática, ou há consequências”. E tem de haver mecanismos de controlo sobre a própria relação entre avaliador e avaliado. Nas escolas, as pessoas prestam-se muito às pequenas vinganças e às pequenas amizades que depois se podem refletir na nota.

Isso pode acontecer em qualquer empresa e em qualquer profissão.
Entre os docentes há uma cultura muito enraizada de igualdade. Consideramos que temos todos a mesma competência para desempenhar a profissão, daí que haja dificuldade em aceitar que a avaliação seja feita pelos pares. Tem de haver um grupo de professores avaliadores, que devem continuar a dar aulas, mas que devem ter um horário para se formarem e testar o modelo. É um investimento a médio, longo prazo que nenhum Governo, com um calendário de três ou quatro anos, aceita. O sistema está contaminado pelo facilitismo e pelo amiguismo. E há outra questão: com a carreira congelada em oito dos últimos dez anos, mesmo uma má avaliação não tem consequências. Por isso, o que sentimos é que é uma inutilidade. Estimula-se a apatia e fomenta-se o desânimo.

Como saiu a imagem dos professores depois desses protestos?

Há uma enorme diferença entre a imagem pública que se retrata nos inquéritos de opinião sobre as várias profissões e em que os professores têm sempre taxas de aceitação muito altas e a opinião publicada, que foi muito negativa. Muitos opinion makers estavam contra as posições dos professores e achavam que eles não queriam ser avaliados e eram todos preguiçosos. Mas acho que não aconteceu o mesmo na opinião pública no geral.

Não sente que nos últimos anos houve uma degradação da imagem pública dos professores que se reflete na sua autoridade?
Isso já vem pelo menos desde os anos 90. Há um discurso enraizado de desculpabilização dos maus comportamentos e um discurso político de que o chumbo é um mal para a sociedade. Dizer que os exames não servem para nada transmite aos alunos a perceção de que podem fazer qualquer coisa porque têm direito ao sucesso. É extremamente nocivo porque desmobiliza os alunos bons e pode fazer da escolaridade até ao 9º ano um imenso recreio. E desautoriza o professor na sala de aula porque põe o aluno a dizer: “Não me pode tocar, não me pode chumbar, o que é que me pode fazer?”

Isso tem vindo a agravar-se?
Sendo muito impopular entre os meus colegas o que vou dizer, acredito que a introdução de provas de final de ciclo, nomeadamente do 6º ano — as do 4º poderão ser mais polémicas — trouxe às escolas um sinal de alarme. Aceitar apenas provas de aferição a meio do percurso e só monitorizar no final do ciclo funciona em países com uma consolidação da escolaridade muito anterior à nossa, nomeadamente os escandinavos, que não têm as nossas desigualdades socioeconómicas. O que acontece é que as regras dos bons colégios privados são, em muitos casos, o oposto do que temos de fazer nas escolas públicas, em questões disciplinares e de respeito pelo professor.

Dar aulas deixou de ser aliciante?
Claramente, quer do ponto de vista material, porque houve uma proletarização evidente, quer do prestígio social, que foi diminuído pelo desaparecimento de horizontes de carreira.

Que retrato traça da classe?
É uma classe envelhecida, desiludida, sem perspetivas de progressão e que está cansada de lhe serem imputadas as responsabilidades por todos os erros cometidos a nível político. É dramático, mas nos anos 70 havia melhores condições em muitos aspetos do que agora.

Em que sentido?
Lamento muito que a minha filha, que está no 7º ano, tenha turmas com mais alunos do que eu tive, há 35 anos. Os políticos acham que tudo se resolve na base dos rácios e não percebem que ter uma turma de 30 alunos é um esforço para um professor com 50 ou 60 anos que poucas pessoas são capazes de calcular. E há professores que têm dez turmas. Ainda assim, conseguimos progressos nos exames internacionais.

Que nota daria a este ministro?
Ainda não tem elementos de avaliação suficientes para eu dar uma nota. Naquilo que tem impacto orçamental, ainda não anunciou nada de relevante.

E aos sindicatos?
Têm um papel essencial, mas dificilmente me sinto representado por alguém que não exerce a minha profissão há décadas. Gostava de ver à sua frente pessoas que dessem pelo menos um ano de aulas em cada década. Não sendo assim, são profissionais do sindicalismo. Não são professores.

Entrevista para ler no Expresso