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sábado, 23 de abril de 2022

Síndrome de burnout: uma doença potenciada pelo trabalho

Síndrome de Burnout

Nos últimos 2 anos muito se tem falado da Síndrome de Burnout. Mas sabe o que é esta Síndrome? Saberá identificar os sinais e sintomas desta condição?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Em Portugal quase 90% dos professores declaram sentir stress no seu trabalho

STRESS DOS PROFESSORES

João Carrega
Ser professor hoje é mais do que ser professor. Falemos do ensino não superior, onde às atividades letivas se soma uma imensidão de tarefas administrativas. O relatório Eurydice “Os Professores na Europa – Carreira, Desenvolvimento e Bem-Estar”, da Comissão Europeia, aponta este como um dos principais fatores que provocam stress junto dos professores.

O relatório recorda os dados TALIS 2018 (OCDE) - Inquérito aos docentes e diretores de escola sobre ensino, ambientes de aprendizagem existentes nas escolas e condições de trabalho. “Na Europa, quase 50% dos docentes do ensino secundário inferior sofrem de stress no trabalho. Em Portugal, quase 90% dos professores declaram sentir stress no seu trabalho, tal como 70% dos professores na Hungria e no Reino Unido (Inglaterra). Ainda mais preocupante é o facto de, nestes três países, a percentagem de professores que sofrem muito stress é o dobro da média na União Europeia”, diz o estudo.

É esse mesmo inquérito que refere: “os professores do ensino secundário inferior apontam o trabalho administrativo como a sua principal fonte de stress. Além disso, os dados revelam que três das quatro principais fontes de stress não estão diretamente ligadas às tarefas nucleares da docência: trabalho administrativo, responsabilidade pelos resultados dos alunos e exigências das autoridades educativas”.

Em Portugal dois terços dos professores consideraram o trabalho administrativo como causador de stress. A este fator juntam-se outros como o “corresponder às exigências das autoridades educativas”, o “ter demasiados trabalhos dos alunos para avaliar”, ou ainda os que estão diretamente ligados ao seu trabalho, como a preparação de aulas, manter a disciplina dentro da sala de aula, ou registar as preocupações dos pais/encarregados de educação”.

Acredito que a pandemia e as exigências com que a escola no seu dia-a-dia é confrontada veio trazer mais dificuldade à tarefa dos professores, mas também ao pessoal não docente, aos pais e às famílias. O regresso ao segundo período das atividades letivas está a ser difícil de gerir, com alunos e professores em confinamento, com a necessidade de garantir àqueles que estão em casa as matérias que são lecionadas na sala de aula; ou a obrigatoriedade (no caso dos diretores de turma) de informar os encarregados de educação sempre que um aluno fica em isolamento devido à Covid-19 (acrescentando assim mais um ato administrativo ao da docência). São tarefas que tornam o trabalho do professor mais difícil e desgastante.

Vivemos tempos que não são normais e este foi o caminho encontrado para, de forma célere, dar respostas às situações diárias que estão a surgir. Em tempo de guerra todos devemos ser chamados e todos devemos estar no lado da solução. Na escola é isso que se procura fazer. Mas importa também começar a olhar para o futuro e para as implicações que esta nova realidade, em conjunto com os fatores anteriormente descritos da pré-pandemia, poderá trazer para o corpo docente das escolas, o qual como sabemos está envelhecido; mas também aos alunos que desta vez não são vítimas de opções e programas políticos, mas de uma pandemia que há dois anos nos assola e que certamente deixará marcas...

sábado, 29 de janeiro de 2022

Precisamos de um novo tempo, de menos papéis e de mais reflexão colaborativa

Dos Mitos - O excesso de planificação e de planos

Continuamos a viver num sistema marcado por várias ilusões: a ilusão do comando e do controlo, a ilusão do poder dos decretos e do diário de república (vasto cemitério de leis); a ilusão das lideranças heroicas, salvíficas e solitárias; a ilusão da comunidade educativa; a ilusão dos projetos, planos e programas.

Nesta nota defendemos a tese de que quando há um excesso de planificações, planos e projetos a realidade tende a ficar muito aquém do desejado e previsto. Mais: tende a ser substituída pelas ficções das narrativas que se escrevem ou esquematizam. Partindo de Pfeffer e Sutton (2000, 2006) identificamos 5 barreiras à ação resultantes deste excesso:

1. Quando o discurso e a escrita substituem a ação. Na arena escolar, muitas vezes basta escrever para não ter de agir. Outras, o esforço de planificar esgota a vontade, a energia ou tempo para concretizar. Outras ainda, o que interessa, segundo a boa regra burocrática, não é o fazer mas o que se escreveu sobre o que se vai fazer ou sobre o que já se fez.

2. Quando a memória substitui a nova ação. A ênfase da planificação alimenta-se, em regra, da memória, do passado e isso dificulta um ajustamento às novas realidades emergentes.

3. Quando o medo impede a ativação de novo conhecimento. Quando as pessoas estão sob pressão e com medo do seu futuro, não vão trabalhar com afinco, imaginação e ousadia. Pfeffer e Sutton encontraram duas consequências negativas em organizações que eram governadas pelo medo: (1) levou as pessoas a concentrarem-se apenas no curto prazo, muitas vezes causando problemas a longo prazo, e (2) enfatizou a sobrevivência individual, desprezando a coesão do coletivo.

4. Quando a obsessão da medida obstrui o bom senso. Uma preocupação com resultados de medição em sistemas de monitorização que (a) são muito complexos, com muitas medidas, padrões e indicadores difíceis de operacionalizar, (b) são altamente subjetivos na implementação, e (c) muitas vezes fazem perder importantes elementos de desempenho.

5. Quando a concorrência interna transforma amigos em inimigos. Quem é o inimigo? Pessoas dentro da organização ou concorrentes externos?

Se a concorrência e a competição internas são a filosofia de gestão, isso (a) promove a deslealdade para com colegas e a organização como um todo, (b) prejudica o trabalho em equipa, e (c) inibe a partilha de conhecimentos e a disseminação das melhores práticas.

Vivemos sob o signo da projetocracia, do excesso de planificações e planos. No excesso de retórica e pobreza de práticas (Nóvoa). Da avaliocracia. Precisamos de um novo tempo. Um tempo de leveza dos planos; um tempo de ativação das inteligências adormecidas; um tempo de mais contacto na ação coletiva; um tempo de menos papéis; um tempo de mais reflexão colaborativa; um tempo de uma ação mais humilde, arriscada e empreendedora.
(Negrito e sublinhado nosso)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

UMA MÁQUINA DE MATAR PROFESSORES

Aquela tarde foi crucial. Há anos que os sinais se vinham avolumando. Tudo se tornara, todavia, mais doloroso naquelas semanas, com consequências mais acentuadas, quase irremediáveis. Ao longo do dia, fora oscilando entre a tranquilidade dentro da sala de aula, na presença gratificante dos alunos, e uma perturbação interior sempre que saía desse lugar protegido e acolhedor para outros espaços escolares, onde era obrigado a desenvolver tarefas insanas, de burocrata. Findo o dia, decidi não ir de imediato para casa. Virei à direita, estacionei o carro e entrei no banco do hospital. Fui atendido prontamente por uma médica cujo nome esqueci, mas a quem ficarei eternamente grato. Aplicada uma bateria de exames, tal era o meu estado de saúde, obrigou-me (é esse o termo) a ficar de baixa. Tive de reconhecer.

A “escola” estava a dar cabo de mim, ao fim de 25 anos inteiramente dedicados a ela.

Foi muitíssimo difícil assumir a derrota. Ao longo de meses em casa, com tratamento médico e consultas frequentes, tive de reconhecer a minha fragilidade, como vítima de “burnout”, cujas causas conhecia. Vi-me, sobretudo, obrigado a sublinhar que a satisfação e alegria sentida diariamente na sala de aula como professor já não era suficiente para abafar todo o resto. Esse resto não era, aliás, um “resto”. Era, sim, uma avalanche que de súbito caíra sobre mim – e, creio, tem caído sobre centenas ou milhares de docentes cujo brio profissional os tem posto em confronto com um “sistema” que visa destruir o cerne da escola portuguesa, da liberdade de ensino e da aprendizagem sólida e consequente.

Não sei se vale a pena listar as flechas, os tiros e os bombardeamentos que têm sido lançados dos vários organismos do Ministério da Educação contra a dignidade dos professores, contra a solidez e qualidade do conhecimento a construir nos alunos, contra a democracia nas escolas, contra a privacidade, a dignidade e a liberdade das famílias, contra a manutenção de um clima de paz intergeracional nas instituições de ensino, contra os alunos que esperam das salas de aula uma prática consequente, criativa e exigente, contra uma sociedade que deveria ter nas escolas viveiros de cidadãos conhecedores, conscientes e críticos. Tantas têm sido (no último quarto de século) essas munições que seria fastidioso apresentar o seu rol. As consequências estão, todavia, à vista. Três décadas ou quatro depois, voltámos a ter uma grave falta de professores nas escolas portuguesas. E só não há uma debandada geral dos alunos em direcção aos colégios privados que ainda conseguem levar o processo de ensino-aprendizagem a sério porque a generalidade da população portuguesa – mesmo da classe média – não tem dinheiro para pagar as mensalidades exigidas pelas instituições que não recebem apoio do Estado.

A escola pública portuguesa tem sofrido assaltos sucessivos de grupos de pressão que, directa ou indirectamente, se têm instalado nos feios prédios do Aterro lisboeta, à Avenida 24 de Julho. Quem conheça o meio, sabe bem quem o povoa e quem por lá tem influência e é ouvido. As políticas educativas que conseguem impor, graças a eficazes manobras de propaganda, de pressão ou de manipulação, não visam nem alguma vez visaram a qualidade da escola e das aprendizagens. Não querem saber dos alunos nem das famílias nem dos professores. Servem interesses académicos e pessoais, agendas políticas e sociais, estratégias económicas. Pretendem usar a escola como palco, como ferramenta de manipulação ideológica, como caixa multibanco. As técnicas de sedução são exímias. Chegam a cativar muitos docentes, aliciando-os, ludibriando-os, estimulando os seus instintos mais escusos. Sabem recompensá-los. Usam-nos, depois, como armas de arremesso contra os seus colegas que têm a ousadia de pensar pela sua própria cabeça e de afirmar, sem medo, que o rei vai nu, que as “maravilhas fatais” apresentadas em formações e deformações não passam de quinquilharia velha ou sem valor, destinada a enganar meio mundo e a outra metade. A maioria dos professores não é, todavia, parva. Percebe o que está a suceder. Tem percebido. Tem resistido como pode. Essa resistência é conhecida. E detestada por muitos directores, por demasiados colegas, por muitos pais inconscientes e, obviamente, pela tutela do Ministério. Há mais de duas décadas que o assalto vem crescendo.

Ninguém ignora que o assédio moral dentro das escolas é uma realidade constante e reiterada. Quase sempre, subtil. A definição, pescada na Wikipédia (não é preciso ir mais longe), assenta como uma luva no que se passa com muitos docentes portugueses: “a exposição […] a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas […] actos ocorridos durante a jornada de trabalho e no exercício das suas funções […] desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização […] ameaçando o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho […]”. Com maior ou menor intensidade, é este o dia a dia de muitos professores. Pais envenenados, colegas manipulados ou interesseiros, hierarquias picadas pelo Ministério sujeitam quem quer fazer o seu trabalho honestamente a pressões inimagináveis, a humilhações de que poucos suspeitam. Visam destruir a sua autonomia científica, técnica e pedagógica que, apesar de garantida pelo Estatuto da Carreira Docente, vem sendo dinamitada há muito tempo, com especial intensidade nos últimos seis anos (nos quais têm pontificado os fiéis continuadores da guerrilha promovida com eficácia, entre 2005 e 2009, por uma senhora chamada Maria de Lurdes Rodrigues e seus comparsas). Junte-se a isto a subversão das regras de avaliação do trabalho dos docentes (alvo de um constante tráfico de influências e das mais mirabolantes manobras), o congelamento da sua progressão na carreira, a desconsideração do seu mérito efectivo (em benefício de um lambe-botismo atávico), a intromissão nas suas aulas (que chega ao ponto de impor “coadjuvantes” dentro das salas que, na prática, são muitas vezes vigilantes e bufos), o apagamento ou manipulação do rigor na avaliação e na disciplina – e não serão muitos os resistentes. Quem está perto da reforma, aposenta-se o mais depressa que pode, mesmo com prejuízo na carteira. Quem consegue encontrar uma porta aberta por onde possa fugir, muda de emprego, definitivamente ou durante algum tempo. Outros, infelizmente, não resistem e sofrem graves consequências na sua saúde, nem sempre remediáveis.

Alguém se admira de que os professores escasseiem com este sistemático mecanismo de “assassinato”? Quem se espanta quando, hoje em dia, poucos jovens querem formar-se para exercer a docência nas escolas públicas portuguesas? Só os parvos ou os interesseiros podem mostrar espanto. Só os incautos podem acreditar na hipocrisia daqueles que surgem, agora, muito preocupados (propondo medidas de papelão) quando, na realidade, são eles os responsáveis pela grave situação em que estamos mergulhados. Quem, como eu, se confronta directamente com o nefasto purgatório que é, hoje, a escola pública portuguesa já está à espera de tudo. Como pai e professor, sei do que falo e dolorosamente o escrevo, pois é preciso dar testemunho público, agora mais do que nunca. Seria bom que muitos outros o fizessem, saindo do seu silêncio angustiado ou do alívio das redes sociais e das salas de professores.

Tirei consequências daquele dia em que me vi obrigado a ir ao hospital, aceitando o que os vários médicos me impuseram durante meses e meses. Vi-me obrigado a assumir uma derrota que pôs em causa 25 anos de dedicação aos alunos. Hoje tenho saudades deles. Deles só. Muitos, como eu, voltariam de bom grado ao ensino se a escola voltasse a ser uma escola, deixando de ser um soez campo de batalha ideológico onde só os heróis resistem à estratégia de estupidificação geral que há muito está montada. Não sei o que o futuro nos trará. Não sei o que o futuro me trará quando e se um dia para lá voltar. Só um movimento de 180 graus poderá arrepiar o perigoso caminho que trilhamos. Só assim serão vencidos os “snipers” que vão eliminando os professores, substituindo-os por simulacros baratos sem autonomia, sem ética, sem exigência e sem pensamento próprio.
(escritor e investigador)

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Afinal, para que serve a escola?

Carmo Machado

"Quando o professor se sente minúsculo perante o chorrilho de palavrões que ouve diariamente, isto é bullying. Quando o professor se sente humilhado, ofendido, vilipendiado no desempenho da sua profissão e nada se faz para o apoiar, isto é bullying. Quando os alunos se descalçam na aula, se sentam com as estendidas e pousadas nas cadeiras da frente, isto é bullying. Quando entram e se mantém propositadamente de capuz, isto é bullying. Quando os alunos emitem sons impróprios e recusam obedecer às ordens do professor para sair da sala, isto é bullying. Quando ofendem os funcionários, boicotam as aulas, humilham os professores de todas as formas possíveis, isto é bulllying. Quando o professor tem de dar a aula num clima de guerrilha quase permanente, obrigando-se a uma gestão minuciosa de todas as palavras ditas – por perigo de deturpação imediata das mesmas – isto é bullying. Quando o professor adoece por exaustão emocional, isto é bullying, Quando a sensação de impotência do professor aumenta na exata proporção da sensação de impunidade dos alunos, isto é bullying. Eis o estado a que chegámos em muitas das nossas escolas e contra o qual é urgente lutar."
A ler na Visão

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Os professores portugueses são, na OCDE, os que mais preenchem burocracia inútil como um forte contributo para o burnout

A escola, os certificados e o monstro burocrático

Se um currículo não se circunscreve ao cumprimento de programas escolares, também o percurso de um aluno não se resume às notas. Nesse sentido, foi elogiada a inclusão doutras informações nos certificados e diplomas (CeD). É expectável que os jovens, que são estimulados à exaustão para conseguirem avaliações que lhes "assegurem" o futuro, fiquem apreensivos com mais este registo do pouco tempo livre que lhes resta. Ou seja, a valorização do todo também devia resultar da humanização das avaliações e dos seus efeitos. Além disso, a história relata-nos exemplos nefastos com a institucionalização meritocrática - e o controle burocrático - até do voluntariado, com resultados opostos aos proclamados no elevador social.
O secretário de Estado e Adjunto da Educação, João Costa, explicou a ideia à Lusa: “Todo o trabalho extra feito pelos alunos desaparecia. Os diplomas limitavam-se às notas, sem fazer referência a mais nada.”.
Ora um leitor que tenha um familiar ou amigo professor, questionar-se-á: — Queixam-se que escrevem tudo em actas e os dados desaparecem? O desaparecimento referido é, obviamente, metafórico, mas explica o que os estudos concluem e a realidade confirma: os professores portugueses são, na OCDE, os que mais preenchem burocracia inútil (ou que "desaparece") como um forte contributo para o burnout; e é também por isso que a falta estrutural de professores é já inapelável em várias disciplinas.
E perceba-se o tal monstro burocrático.
A participação duma turma numa actividade extra é registada em inúmeras actas - em Word - durante um ano lectivo (reuniões de conselhos de turma, directores de turma, grupos disciplinares, departamentos, direcções, conselhos pedagógico e geral), enviada por incontáveis emails, arquivada nos servidores da instituição e numa plataforma digital (Drive da Google ou algo semelhante) e impressa e arquivada em quilómetros de prateleiras. Mas não consta dos processos, analógicos e digitais, dos alunos, de modo a evitar os procedimentos descritos que habitam um labirinto entrópico. Os analógicos são tratados como no século XIX e os digitais entregues a empresas privadas (em outsourcing) que limitam os campos de inserção da informação a notas, ocorrências disciplinares e faltas. E este inferno de repetição, que "elimina" a possibilidade civilizada de pesquisa como a função primeira, multiplica-se na restante informação escolar, com exemplos caricaturais: as notas dos alunos, que têm os relatórios nas plataformas do outsourcing, são novamente tratadas, pasme-se, pelos professores em Excel ou Word e enviadas e arquivadas do modo relatado.
Este ambiente demonstra o que falta fazer neste domínio, numa nação que até tem provas dadas na sociedade em rede. Imagine-se, em tom risível, o que seria se em cada concelho, ou até freguesia, existisse uma plataforma diferente para o Multibanco e para a Via Verde. Os utilizadores tinham cartões e identificadores para as diversas plataformas e os profissionais concelhios da banca e da Brisa aplicavam os procedimentos do universo escolar. É escusado detalhar os passos seguintes e os resultados para a economia.
E o tal leitor referido, também interrogará: — Mas não há escolas inconformadas? Há, claro que há ou tem havido. Criaram um software integrado centrado nos processos digitais de alunos, professores e restantes profissionais, depuraram com muito estudo a informação essencial e licenciaram-no na protecção de dados. Eliminaram repetições na obtenção de informação e proporcionaram um clima relacional e de inclusão com vantagens inquestionáveis para todos. Foram elogiadas por governantes, serviços centrais do Ministério da Educação (ME) e empresas internacionais. Mas a exemplo do "desaparecimento" dos dados, também esses registos foram obliterados pela governação seguinte. É como se as máquinas partidárias fossem mecanismos sem história das organizações e incapazes de aprender.
Por outro lado, há mais de duas décadas que o ME constrói uma solução Via Verde que actualmente se denomina "E360". Avalie-se esse processo. Perceba-se a sua patológica situação. Se nalguns casos a inadequação dos governantes foi a causa da inacção, também se encontrará um ambiente como o descrito na célebre série da comédia britânica, "Sim, Senhor Ministro (Yes Minister)", que foi transmitida pela BBC desde 1980.
Mas é também notório que ainda prevalece uma tensão constitutiva das relações interpessoais sustentada na prevalência do poder de burocratas. Para José Gil (2005:44), "Portugal, hoje. O medo de existir", esse exercício sustenta a não-acção com o registo da “mínima palavra ou discurso em actas, relatórios, notas, pareceres – ao mesmo tempo que não se toma, em teoria, a mais ínfima decisão, sem a remeter para a alínea x do artigo y do decreto-lei nº tal”. E sublinha, Gil (2005:57), que é um duplo regime: "tenta-se inscrever freneticamente tudo, absolutamente tudo em actas, para que nada se perca ou reina a maior negligência nos arquivos que ninguém consulta nem consultará (espera-se).” Como é óbvio, os dados curriculares também "desaparecem" nos processos de professores e doutros profissionais.
Se esta ideia dos CeD se concretizar, o processo será digital e incluirá as experiências dos anos anteriores. Portanto, será interessante perceber o rigor da informação, o lançamento dos dados e a configuração dos CeD. Provavelmente, nessa altura já não seremos os destacados primeiros da OCDE na burocracia inútil dos professores porque não constaremos dos estudos. Desistiram de nos estudar porque os algoritmos da Inteligência Artificial da Google (do Gmail e da Drive) introduziram uma cláusula adicional humorada nos seus contratos: por prevenção de burnout das máquinas inteligentes, estas ignoram sistemas ininteligíveis de repetição no lançamento de dados.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

As tarefas administrativas fazem aumentar os níveis de stress, a autonomia no trabalho fá-los diminuir

Professores europeus stressados com trabalho administrativo


47% dos professores europeus dizem sofrer “muito” ou “bastante” de stress. As tarefas administrativas fazem aumentar os níveis de stress, a autonomia no trabalho fá-los diminuir. A análise é da rede europeia Eurydice.

“Os professores estão na linha da frente da educação”, reconhece a comissária europeia da Educação, Juventude, Cultura, Inovação e Pesquisa, Mariya Gabriel. “Ter professores motivados é um dos pré-requisitos essenciais para um sistema educativo de sucesso, no qual os alunos de diferentes contextos podem alcançar todo o seu potencial”, escreve no prefácio do último relatório europeu que faz um retrato de como os professores se sentem nas escolas.

O Teachers in Europe: Careers, Developmente and Well-being, coleta dados qualitativos da rede Eurydice e quantitativos do Teaching and Learning International Survey (TALIS) de 2018. Para mostrar que, ao nível do bem-estar, 47% dos professores da União Europeia relatam “bastante" ou "muito" stress quando estão a trabalhar. Portugal surge no topo da tabela. 87% dos professores que dão aulas a alunos do 7.º, 8.º e 9.º ano afirmaram sentir-se “muito” ou “bastante” stressados quando estão a lecionar.

Dois países partilham níveis de stress próximos dos professores portugueses: Hungria e Inglaterra, onde 70% dos professores sofrem do mesmo mal. “O mais preocupante é que nestes três países a percentagem de professores que se diz bastante stressado é o dobro da média europeia”, alertam os autores do relatório que abrange os 27 estados-membros e outros países europeus.

Em média, apenas 16% dos docentes europeus se sentem “bastante stressados”, enquanto em Portugal são 35%. Por outro lado, no nível “muito stressados”, a média europeia é de 31% face a 53% em Portugal.

quarta-feira, 24 de março de 2021

87,2% dos professores portugueses queixam-se de algum tipo de stress

Professores em Portugal são os que revelam maior stress na Europa


Estudo europeu avalia condições de trabalho dos professores do 3.º ciclo (do 7.º ao 9.º ano) e destaca Portugal em diversas variáveis. Nenhuma delas animadora: professores nacionais são dos que têm maior stress, estão mais insatisfeitos com os salários e têm mais contratos a termo

Portugal aparece no número um: perto de 90% dos professores nacionais (87,2%) queixam-se de algum tipo de stress. Para se ter uma ideia da diferença, imediatamente abaixo aparecem os professores húngaros e britânicos, mas é preciso recuar até aos 70%. Na categoria “muito stress”, os três países têm mais do dobro dos relatos da média europeia (16%) — 35%, no caso português. E quanto a “bastante stress”, mais de metade dos educadores portugueses responde afirmativamente (53%), enquanto os europeus com relatos deste tipo ficam-se pelos 31%.
A ler no Expresso

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Professores na Europa Carreiras, Desenvolvimento e Bem-Estar


Os professores desempenham um papel essencial no processo de aprendizagem e em torná-lo uma experiência frutífera para todos os alunos. A pandemia, a rápida transição do ensino presencial para o a distância têm destacado ainda mais sua contribuição essencial para nossas sociedades. Se, por um lado, o papel do professor está evoluindo à medida que novas demandas e expectativas surgem, juntamente com novas responsabilidades, por outro, essa profissão vem passando por uma crise vocacional há alguns anos. Os formuladores de políticas nacionais e europeus vêm desenvolvendo soluções para mitigar o impacto da escassez e manter padrões de ensino de alta qualidade. Este relatório, focado em professores secundários inferiores (ISCED 2), contribui para o debate, fornecendo evidências tanto sobre políticas quanto práticas. Combina dados da Eurídice sobre legislação nacional com dados sobre as práticas e percepções dos professores da Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem da OCDE (TALIS).

domingo, 29 de novembro de 2020

A realidade que o ME não conhece ou ignora

Diretores e professores exaustos depois de nove meses de pandemia


Sem parar desde março, alguns diretores sentem-se exaustos e ponderam abandonar o cargo que os obriga a estar alerta 24 horas por dia para garantir o funcionamento, em segurança, das escolas durante a pandemia de covid-19.

A ler no Observador

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A opinião de Raquel Varela - Regresso à escola, qual?


Não tenho simpatia por discursos anti-sindicais contra professores, ou contra seja quem for, soa-me sempre a um certo perfume de elitismo e ditadura. A resistência, cheia de acertos e muitos erros, é sempre pouco apreciada pelo poder em geral. E tenho muito respeito pelos docentes, que trabalham em péssimas condições. O que (ainda) existe de bom nas escolas deve-se sobretudo a eles. Mas a sinceridade exige a crítica, construtiva porque a escola e os docentes são centrais à sociedade.

Vejo agora uma determinação dos sindicatos com greves e protestos a regressar às escolas que nunca vi contra o ensino online que colocou em causa a saúde mental (e física) de centenas de milhares de crianças e jovens. Foi uma fraude, que levou ao sofrimento ético (sensação de fazer parte de uma mentira), hoje reconhecida até pelas mais liberais instituições, como a OCDE. Falhou em toda a linha. Estou em crer que a razão dos docentes é sobretudo uma – há milhares de professores em burnout que se sentiram menos mal em casa, com o ensino online, do que nas escolas, onde estavam sujeitos a condições adversas de trabalho, que os levam ao burnout. O risco do vírus- muito baixo, mas existente -, é na verdade usado para ocultar outro risco, alto e existente em todas as escolas – o mal estar laboral. O medo do vírus é muito mais longínquo do que o medo da burocracia, relatórios esquizofrénicos, avaliação e assédio, aulas inúteis, programas desinteressantes, indisciplina, directores.

Os professores não estão, na minha opinião, só nem sobretudo com medo do vírus. Estão com medo da escola. E isso não é novo – já tinham, na sua maioria, quase 80% declarava estar em exaustão emocional no trabalho quando conduzimos o estudo do burnout. E a verdade é que os sindicatos em geral lutaram muito mais contra o ensino presencial do que, de facto e com sucesso, contra as condições reais e diárias das escolas, que estavam muito mal, e adoeciam os professores, muito antes da pandemia. Ora, só por pensamento mágico podem pensar que a recusa em voltar às escolas os retira do burnout. Na verdade todas as formas de teletrabalho não transformam o nosso trabalho na nossa casa confortável. É precisamente o contrário – a curto prazo a casa confortável será transformada no inferno do trabalho. Não é a casa que vai ao trabalho, é o trabalho que vai para casa.

Pensar que o retorno à esfera privada (casa) resolve os problemas da esfera pública (trabalho e sociedade em geral) é um crença, que durará – não creio – mais do que poucos meses a ruir. Como tantas outras.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Relatório do Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal

Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal (INCVTE)


Coordenação de Raquel Varela 
Primeiro Relatório – Versão Preliminar. Lisboa, Outubro de 2018. 93p.

"O presente estudo social pretende responder a algumas «questões públicas»: 
Por que uma grande parte dos professores, ao final do dia, sentem-se esgotados? Quais são as causas do sentimento de exaustão emocional entre os docentes? De onde advém o stress laboral na educação escolar? Como compreender e/ou explicar um mal-estar tão difuso e generalizado nas funções, estrutura e dinâmicas desta atividade vital?

O desgaste profissional não ocorre num qualquer tempo ou espaço. Apesar de já detectado há muito, a percepção ampliada deste problema surgiu pari passu com as políticas de austeridade, um eterno retorno do “fazer mais, com menos”, e casos de exaustão provocados, sobretudo, por sobrecarga de trabalho, realizado em escassez de condições laborais efetivas.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Docentes, uma das classes profissionais mais afetadas e em risco de exaustão



“É caracterizado por três dimensões: 
1) sentimentos de esgotamento de energia; 
2) o aumento da distância mental em relação ao trabalho ou sentimentos de negativisimo ou cinismo relacionados com o trabalho 
3) e redução da eficácia profissional. 
O burnout refere-se especificamente a fenómenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências noutras áreas da vida”.

OMS coloca o "Burnout" na Classificação Internacional de Doenças (CID)´a partir de 2022


Conhecido como síndrome do esgotamento profissional, o burnout entra numa lista aprovada neste sábado pela OMS.

O burnout – síndrome do esgotamento profissional – já entrou oficialmente na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema associado ao emprego e desemprego. A aprovação da 11.ª revisão desta lista, que também inclui os videojogos como uma doença mental, aconteceu no sábado durante a 72.ª assembleia da OMS em Genebra.

Agora, o burnout é classificado na 11.ª revisão da CID – que entrará em vigor em 2022 ​–como um dos “problemas associados com o emprego e o desemprego” e tem o código QD85. “A CID-11 foi actualizada para o século XXI e reflecte os avanços críticos na ciência e na medicina”, lê-se num comunicado da OMS.

quinta-feira, 28 de março de 2019

“a atual situação das escolas é feia, porca e má”

“A erosão da relação não pode ser atribuída a greves e lutas sindicais”


Alguém consegue imaginar um futuro decente em que as escolas não sejam sustentadas, professores reconhecidos e estudantes estimulados? A pergunta está feita.

A Equipa Científica do Inquérito Nacional sobre Condições de Vida e Trabalho na Educação, constituída por Raquel Varela, Duarte Rolo e Roberto della Santa, avisa que é necessário que o Estado analise atentamente o que se está a passar, sob pena de uma “situação potencialmente catastrófica num futuro próximo”. Ficar parado, dizem, “será comprometer o futuro das próximas gerações deste país, em todas as suas áreas”. 

Pais, alunos e professores têm interesses comuns. A questão é que se não remarem para o mesmo lado, pouco muda. “Os alunos e os encarregados de educação ainda não estão cientes da gravidade da crise que a escola atravessa, e daquilo que os espera daqui a alguns anos. Se se mobilizassem juntamente com os professores, o protesto ganharia uma amplitude completamente diferente”, sublinha a equipa.

Sem papas na língua e com todas as letras, o grupo afirma que “a atual situação das escolas é feia, porca e má”. E explica porquê: “porque as condições são as de uma verdadeira indigência intelectual e covardia política de governos, parlamentos, Estados”.

E: O país tem um corpo docente envelhecido, a procura dos cursos de formação para professores tem diminuído significativamente. Será possível reverter esta situação?
R: Não só é possível como urgente e necessário. Fundamental e incontornável. Os professores estão muito envelhecidos. O tempo está fortemente correlacionado com o desgaste profissional e o cansaço físico efetivo. É necessária a introdução de um regime especial de aposentação antecipada, por um lado, e, por outro, renovar maciça e progressivamente os quadros, e melhorar suas condições. Mas não é forçosamente uma necessidade para cada um dos professores que têm de ter a hipótese de poder escolher. Mas a necessidade vital e a carência efetiva é a de dar aos professores boas condições de trabalho, que lhes permitam realizar-se, evitando o envelhecimento precoce e o desgaste que observamos. Até porque não existe uma relação lógica, no caso do trabalho intelectual, entre tempo de serviço e desgaste profissional.

Às vezes, aliás, a experiência docente e sua expertise pedagógica pode ser uma bela mais-valia. É importante aqui deixar a nossa posição científica a esse respeito: não acreditamos ser possível estabelecer uma relação direta entre a idade biológica e o cansaço de nexo psico-físico. As razões da exaustão devem ser procuradas sobretudo na organização do trabalho como um todo, inclusive na questão da carreira docente. Finalmente, a atual situação resultará num colapso do sistema em menos de 10 anos, isto apesar da diminuição demográfica. Mais de 40% dos professores estão quase na idade de aposentação, e a redução demográfica do país é muito menor do que esses valores. 

É imprescindível que o Estado faça uma análise cuidada, atentiva, de uma situação potencialmente catastrófica num futuro próximo e, não o fazer - por quaisquer razões - será comprometer o futuro das próximas gerações deste país, em todas as suas áreas. É urgente mudar o que está mal, já.

E: E sempre o mesmo problema… Os professores culpam os pais, os pais responsabilizam os professores, os diretores apontam o dedo ao sistema. Porquê, afinal de contas, não se consegue sair deste verdadeiro ciclo vicioso? 
R. Não foi, até agora, demonstrada a mínima vontade coletiva para resolver tão grave questão. A montante e jusante acumulam-se problemas. Os media não parecem estar atentos, organizações como a OCDE estão longe de qualquer perspectiva crítica, o governo, não só a assobiar para o lado - até mais empenhado em agravar um quadro já tão dramático, o chamado “mercado” -, como a borrifar-se, já que não se trata de um setor estratégico para a acumulação de capital – a Educação não é uma mercadoria -, e mesmo a população, pais e alunos, ainda não se deram conta da gravidade efetiva da situação

Neste contexto, já o dissemos, ser professor e não lutar é uma contradição pedagógica. A educação dos educadores, dizia Marx, depende da práxis. Acreditamos que há uma crise - profunda e extensa - de uma práxis emancipatória. Existe um interesse comum para pais, alunos e professores. Mas os alunos e os encarregados de educação ainda não estão cientes da gravidade da crise que a escola atravessa, e daquilo que os espera daqui a alguns anos. Se se mobilizassem juntamente com os professores, o protesto ganharia uma amplitude completamente diferente. Em rigor, trata-se de uma ampla questão pública, muito para além das comunidades escolares.

E: Neste momento, há um evidente braço de ferro entre sindicatos e tutela por causa do tempo de serviço congelado. Há um quadro de greves, ameaças de não atribuir notas, atrasos na fixação dos resultados dos alunos. Estaremos agora a assistir a uma erosão de uma relação social que devia ser a mais tranquila e saudável para não perturbar o bom funcionamento e a missão pedagógica das escolas? 
R: A erosão da relação que devia ser organicamente tranquila, harmónica, justa e bela, não pode ser atribuída a greves, lutas sindicais e conflitos sociais. Muito pelo contrário. Greves, lutas sindicais e conflitos sociais, como estudamos através da história social do trabalho, são responsáveis por impor níveis decentes de civilização e cultura. A atual situação das escolas é feia, porca e má sobretudo porque as condições são as de uma verdadeira indigência intelectual e covardia política de governos, parlamentos, Estados. “O sábio aponta para o céu mas o tolo só consegue ver o dedo”, já diz o provérbio.

E: As conclusões do estudo que coordenaram devem ter reflexos políticos, sindicais e até legislativos? O que deveria acontecer? Que mudanças almejam?
R: Desde já, é preciso esclarecer uma questão prévia. Acreditamos que o oficio científico deve ligar-se a questões sociais politicamente relevantes para desenvolverem-se de modo saudável e útil ao público, e à sociedade em geral. Isso é muito importante. Porém, enquanto a solução de problemas sociais implica uma ação que é política, a qual deve transformar a realidade, a resolução de uma questão de investigação científica pode resultar num incremento dos conhecimentos sobre determinado assunto. Ambos podem, e até devem, estar relacionados. Mas não são, evidentemente, uma só e mesma coisa. Corre-se o risco simétrico, caso confundamos ou separamos as duas instâncias, de, por um lado, termos uma ciência “livremente flutuante”, descolada da realidade à qual deve responder, ou, por outro, uma espécie de ciência social a reboque de situações e agendas externas às regras próprias ao trabalho científico, ao pior estilo da “engenharia social” com a qual o positivismo sempre sonhou. 

É muito importante reafirmar a autonomia entre ambas as esferas, até para que a ciência não venha a ajoelhar-se no altar de mercados ou Estados. Dito isso, a política deveria fiar-se mais na ciência. Este país formou quadros técnicos e científicos, com o erário público, fundamentais na explicação e arguição no caso dos fogos florestais, por exemplo. O que vimos a seguir - Pedrogão Grande e 2017 - foi o dramático incêndio do Estado Social em fiapos. A metáfora do burnout implica seres humanos numa zona limítrofe de nexo psicofísico. Isto é, “queimaram-se”. Contudo, estes seres humanos, exaustos, à rasca, são responsáveis por formar todos os demais. Qualquer governo minimamente identificado com questões públicas urgentes e problemas humanos persistentes, formado, aliás, por gente ligada à educação e às universidades, deveria demonstrar empenho em oferecer soluções dignas. 

A população portuguesa precisa escolher se quer viver num país que salva bancos ou numa nação que desenvolve arte, ciência, cultura e trabalho criativo nas suas escolas. Não são os bancos que devem decidir orçamentos, currículos e planos das escolas.

E: Há saídas?
R: A saída positiva deve partir de uma luta em defesa da educação pública que, mais uma vez, coloque no centro a liberdade, a igualdade e a comunidade entre seres humanos. Esta luta passa por repensarmos a organização do trabalho nas escolas. Não pode ser uma luta estritamente economicista, ou politicista, mas em perspetiva de totalidade. Obviamente é preciso chatear muita gente grande: o FMI, a Zona do Euro, governos preocupados em salvar bancos e teóricos do mal dito “capital humano”. 

De uma vez por todas, devemos devolver esta expressão à pré-história da humanidade e seu passado ultra-passado: se é humano não é capital e se é capital não pode ser humano. Não é muito difícil imaginar um futuro sem lucros recorde de bancos ou milionários que prosperam com capital financeiro às custas do bem-estar de milhões de pessoas. Mas alguém consegue imaginar um futuro decente em que as escolas não sejam sustentadas, professores reconhecidos e estudantes estimulados? 

Já não podemos mais olhar para o lado. Nem é possível escolher não escolher. A luta pela Educação é universal, de todos. É urgente repensar um projeto de sociedade que inclua uma outra educação possível. Limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas, sempre interesseiras do capital e sua ordem, significa abandonar de uma só vez - seja conscientemente ou não - o objetivo de uma transformação substancial, e não só formal, qualitativa: a alternativa. Como diz a canção: “muda, tudo muda”. Quem não transforma tudo não muda nada. 

Para finalizar uma citação de Pierre Bourdieu: “A economia, de acordo com a definição dominante, leva em conta custos, lucros, balancetes, etc., mas apaga custos sociais e lucros sociais, tudo o que não é quantificável, tudo o que não é calculável, tudo o que pode não pode ser antecipado por computação, racionalização e números. Como resultado, subestimamos severamente o que são custos reais e superestimamos a relação custo-benefício, por exemplo, e se realmente levássemos em conta - isto é apenas um exemplo – o custo da violência urbana… Quando os governos europeus ou outros governos pedem aos sociólogos que estudem a violência nas escolas, nas periferias, há sempre dinheiro para isso.. O que eles querem? Receitas para fazer a violência desaparecer. Precisamos de mais polícias, mais assistentes sociais, mais professores? A escola desempenha um papel social na violência? Mas como protegemos as escolas? Essas são as questões sociais que são levantadas. De facto, eles excluem sistematicamente a questão de saber se as causas da violência não residem fora desse universo, em coisas que são totalmente óbvias, como a taxa de desemprego, insegurança no emprego, insegurança existencial sobre o destino, o facto de o porvir ser absolutamente incerto. A eliminação da violência na escola, o facto de algumas crianças, por causa de sua origem, tanto social quanto étnica, sendo que as duas estão frequentemente ligadas, estão fadadas a serem eliminadas pelo sistema escolar. As causas da violência residem em toda a estrutura social. O que não é percebido é que se realiza economia de um lado: como quando dizem ‘vamos cortar custos’, ‘vamos reduzir’, ‘vamos demitir duas mil pessoas para cortar custos de produção e sermos competitivos no mercado mundial’, as economias feitas de um lado são pagas no outro extremo. Dois mil desempregados, e muito especialmente se forem jovens, tomarão tranquilizantes, tornar-se-ão alcoólicos, usarão drogas, tornar-se-ão traficantes e depois, eventualmente, assassinos e manterão a polícia no trabalho duro. Se equilibrarmos os custos sociais induzidos por uma abordagem puramente econométrica à economia de custos, é fácil ver o que é uma economia ruim. Isso é tudo. O que temos é uma economia muito ruim, baseada na dissociação de económico e social. Mas o que é social é também económico. Não há nada fora da economia ampliada: tristeza, alegria, felicidade, prazer em viver, o andar pelas ruas sem ser atacado, a qualidade do ar que respiramos. Tudo”.
(Negrito nosso) 

segunda-feira, 2 de julho de 2018

A “realidade” que afeta um grande número de docentes portugueses

SAPO24

Os dados provisórios sobre as situações de “burnout” que atingem os professores portugueses indicam valores “altíssimos” e podem vir a ter reflexos políticos, sindicais ou jurídicos, disse Raquel Varela, coordenadora de um estudo, que será apresentado na sexta-feira.
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“’Burnout’ significa que a pessoa esgotou. Colapsou-se. É multifatorial, mas há uma questão que estamos a concluir e que vai ao encontro com os trabalhos internacionais: há uma dissociação entre as expectativas criadoras, inovadoras, autónomas das pessoas e aquilo que é a realidade dos locais de trabalho”, refere Raquel Varela acrescentado que o estudo destaca a “realidade” que afeta os docentes portugueses.

“Uma realidade profundamente hierarquizada, vigilante, corta a autonomia e tudo isso diminui a produtividade e leva ao adoecimento dos professores e dos profissionais que estão em ‘burnout’”, diz.

quinta-feira, 29 de março de 2018

"A motivação é a chave que abre a porta para o desempenho com qualidade"

Elisabete Pogere

A motivação é a chave que abre a porta para o desempenho com qualidade.
(Heloísa Luck)

Nos moldes atuais do mundo laboral, a competitividade impera e a grande vantagem competitiva só
poderá surgir através de uma gestão eficaz das competências dos recursos humanos de cada empresa. Neste sentido, o papel dos líderes é fundamental e de destaque nas organizações, quer através da tomada de decisões, quer na motivação dos colaboradores. Motivar equipas pressupõe liderar com eficácia e eficiência. A motivação é a responsável pela dinamização e canalização dos comportamentos humanos com o objetivo de atingir uma determinada meta. Neste contexto, os estímulos servem de impulsionadores da ação humana. Desta forma, a motivação tem um papel determinante na forma e na intensidade que será empregue por um indivíduo para a realização de uma determinada tarefa. Liderança e motivação vão de mãos dadas o que significa que uma má gestão dos recursos humanos influencia diretamente na (des)motivação e na produção.

Os gestores escolares não deveriam esquecer nunca que seus professores são criaturas sociais com emoções, desejos e medos, seres humanos, motivados por necessidades humanas e que alcançam suas satisfações através dos grupos a que pertencem. Que seu comportamento sofre a influência do estilo de supervisão e liderança. Qualquer organização que pretenda ter sucesso necessita de ter um líder motivado e com capacidades para motivar todos os seus colaboradores, a fim de se atingirem os objetivos propostos. A exigência de uma Gestão Escolar genuinamente democrático-participativa provoca um debate entre práticas e metodologias de diferentes agentes educativos. Coloca em questão políticas públicas, especificamente no que tange à educação e evidencia a exigência de uma grande marcha Freireana, com o objetivo de buscar o sentido da vida que foi expropriada e privatizada ao longo dos tempos em diversas sociedades humanas.

O gestor escolar precisa ter uma adequada liderança, bem como o domínio da comunicação, buscando interagir com sua equipe de trabalho de modo equilibrado e positivo, valorizando a formação e o potencial de cada professor. E nesse contexto, tem-se a escola, uma organização que sempre precisou mostrar resultados em relação ao aprendizado dos alunos, porém nem sempre são positivos. Acredita-se que um professor motivado poderá exercer suas funções de maneira realmente produtiva e somente assim poderá motivar seus alunos no processo de ensino e aprendizagem. Para isso, a gestão escolar deve levar em conta a legislação que estabelece os verdadeiros e nobres princípios da educação.

A motivação é a chave que abre a porta para o desempenho com qualidade, em situação tanto no trabalho como atividades de lazer e também em atividades pessoais e sociais. Essa valorização é uma tarefa que demanda percepção, observação e comunicação para conseguir enxergar no outro sua essência como ser humano, não se balizando somente nas competências que o professor apresenta como refere a professora Heloísa Luck.

Fica evidente a grande importância que a motivação tem no processo de ensino e aprendizagem e, principalmente, a motivação da equipe gestora que pode influenciar de forma positiva nesse processo. Para isso, é necessária uma parceria entre gestão e professores, com função orientadora e, acima de tudo, que busque meios de manter sempre uma equipe motivada, proporcionando assim um ambiente prazeroso e estimulador favorecendo um ensino de qualidade.

Chega a ser alarmante o desconhecimento de muitos órgãos de gestão escolar em Portugal sobre a necessidade imperativa e urgente de motivar seus professores, bem como seu despreparo na gestão dos recursos humanos mais valiosos para o processo de ensino e aprendizagem: seus professores, que merecem poder exercer suas funções em um clima organizacional favorável, digno e sem sofrer constantes e diversas formas de desvalorização, humilhações, desigualdades e injustiças em nome de conveniências pessoais ou pelo abuso de poder como se detivessem, entretanto, o monopólio da verdade absoluta.

A ausência de um clima laboral motivador baseado na justiça e equidade, obedecendo as bases democráticas de um estado de direito nas instituições escolares, é tão nefasto e repugnante quanto desonroso para os inerentes nobres princípios da educação.

quinta-feira, 24 de março de 2016

É urgente pensar seriamente no problema e tomar as medidas adequadas

Armanda Zenhas - Educare

Imagine um professor tão esgotado física e mentalmente, por excesso de trabalho ou stress decorrente da profissão, que faz lembrar um fósforo que arde e se aproxima do fim; ou então, como se fosse um “copo de água que vai enchendo gota a gota e que, a certo momento, transborda”.
Burnout: “exaustão mental e física, causada pelas horas excessivas de trabalho e pela sobrecarga e intensidade laboral”. É esta a definição do artigo Burnout, stress profissional e ajustamento emocional em professores portugueses do ensino básico e secundário, retirado das Atas do VII Simpósio Nacional de Investigação em Psicologia, Universidade do Minho. O burnout atinge especialmente profissionais que lidam de forma direta e intensa com pessoas e influenciam as suas vidas, como sucede com os professores. 

Burn: arder; burnout: “apagar-se, esgotar-se”, “exaustão, fadiga” (tradução do inglês). 

Burnout docente: imaginem um professor tão esgotado física e mentalmente, por excesso de trabalho oustress decorrente da profissão, que faz lembrar um fósforo que arde e se aproxima do fim; ou então, como se fosse um “copo de água que vai enchendo gota a gota e que, a certo momento, transborda”. Ao longo dos anos, vários estudos portugueses e estrangeiros têm comprovado que a profissão docente é muito vulnerável ao risco de stress e burnout, com uma percentagem maior de ocorrência de burnout do que quase todas as restantes profissões em Portugal e do que os professores noutros países. Num estudo, realizado entre 2010 e 2013, com mais de 800 docentes dos 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário, apurou-se que 30% se encontravam em burnout, superando os 15% a 25% que se registam noutros países. Considerando a generalidade das profissões, um inquérito a 5000 trabalhadores portugueses, realizado em 2014/2015, registou 17,3% em situação de burnout, revelando um contínuo e preocupante crescimento da sua expressão. Em 2008 foram encontrados 9% e, em 2013, 15%, num estudo englobando 38 719 trabalhadores. Apenas os médicos e os enfermeiros apresentam uma maior percentagem de burnout do que os professores (cerca de 50%, num estudo com 1262 enfermeiros e 466 médicos, realizado entre 2011 e 2013). Como se manifesta o burnout? São muito diversas e penalizadoras as suas formas de expressão, cuja ocorrência varia consoante as pessoas: exaustão mental e física; depressão e fortes níveis de ansiedade; sintomas físicos, como, por exemplo, cefaleias, dores musculares e problemas digestivos; mudanças de humor, irritabilidade, dificuldades de concentração, falhas de memória; perturbações do sono; sentimento de desânimo, de desesperança e de falta de realização profissional; diminuição da autoestima. 

Que razões levam a que os professores sejam tão vulneráveis ao burnout?

- O seu trabalho implica uma elevada responsabilidade, devido à sua influência na vida dos alunos, e um grande envolvimento emocional, por se concretizar através de relações interpessoais diárias.
- Estão submetidos a muitos fatores de elevado stress em diversas situações profissionais: uma aula, por exemplo, exige uma contínua atenção a um grande número de fatores muito variados (cada um dos alunos e o seu conjunto, a lecionação dos conteúdos disciplinares e a gestão da disciplina, entre outros), implicando uma resposta pronta e adequada às inúmeras situações imprevistas que ocorrem no seu decurso.
- As condições de trabalho têm vindo a ser cada vez mais dificultadas, com a sobrecarga dos horários, a lecionação de mais turmas, o aumento do número de alunos por turma e um acréscimo de trabalho burocrático, a que se junta o adiamento da idade de aposentação.
- A profissão docente tem vindo a sofrer uma desvalorização social elevada e falta de reconhecimento profissional, a que não são alheias as políticas educativas implementadas nos últimos anos.
Quem sai prejudicado com a existência deste número tão elevado de professores em situação de burnout? Apenas esses docentes? Certamente que não. Um professor que se encontra na situação descrita não tem condições para cumprir cabalmente o seu trabalho, o que põe em causa a qualidade do ensino, as condições de aprendizagem dos estudantes e a consecução do sucesso escolar. À medida que um professor se vai “queimando” em burnout, os seus alunos vão sendo prejudicados bem como a instituição escolar.

Os estudos mostram ainda que os professores mais afetados por burnout são os mais velhos. É também sabido que as escolas têm um corpo docente cada vez mais envelhecido por via do adiamento da idade de aposentação e da diminuição do número de professores. Se nada for feito, a dimensão do problema aumentará. Conhecidas as causas e as consequências, urge pensar seriamente no problema e tomar medidas adequadas.