quinta-feira, 25 de maio de 2017

"O 1º ciclo não pode ser um campo para jogatanas em torno do currículo e dos programas"

Paulo Guinote

Falo do Ensino Básico, do 1º ciclo, da velha Primária para os mais duros de compreensão. Aqueles anos que já não são de “pré”, mas que ainda não são de maior fragmentação disciplinar. Aqueles em que quase todos concordamos na necessidade de se estabelecerem os fundamentos para todas as restantes aprendizagens. Em que as experimentações pedagógicas nem sempre são a melhor ideia e em que as jogatanas para alterações curriculares podem fazer perder de vista o que se diz ser “essencial” em outros níveis de ensino mas se pode descurar na base, por causa de movimentações para sacrificar parcelas do currículo a modas passageiras ou satisfazer os egos de quem acha que sendo apenas aec não tem a dignidade de quem dá a classificação final aos alunos.

Não vou desenvolver mais esta parte, para não azedar o pensamento.

Chamem-me conservador mas sou favorável a um primeiro ciclo de estudos em que o principal (mais do que o essencial) deve passar por dotar os alunos das ferramentas essenciais para comunicarem, para aprenderem a “ler” o mundo e se apropriarem de conhecimentos sobre o seu funcionamento. E para comunicarem, repito. O que significa que defendo, sem qualquer embaraço, que o Português deve ser a base da qual parte quase todo o resto. Não porque leccione essa disciplina no 2º ciclo e queira dar lições aos colegas do 1º ciclo (eu sou mesmo é de História), mas porque acho que é essencial que os miúdos saibam ler e entender o que lêem, assim como comunicar com clareza (reparem que eu nem estou em desacordo com aquele estudo da EPIS feito pela ex-ministra que sabemos, mas mais pelo facto de ela aparecer com outr@s ex-governantes a dar-nos mais umas lições sobre o que já se sabe). Muito pode ser feito a partir (ou memso no âmbito) do Português, tanto no campo das chamadas “Expressões” como no da própria História/Estudo de Meio. Assim como a partir da Matemática se pode desenvolver toda a aprendizagem de uma outra forma de ler o mundo e o compreender, sem ser apenas na dependência de gadgets tecnológicos.

A partir de uma sólida formação nestas formas de apropriação da linguagem e do conhecimento do mundo, feito de forma progressiva, tudo é possível acontecer com muito mais facilidade. Isto é básico, está mais do que sabido, mas infelizmente anda-se a querer reinventar a roda e a querer equiparar o que não é equiparável em matéria de currículo. Há áreas que fazem todo o sentido serem oferecidas e frequentadas como complemento curricular (mas não na lógica do encher o tempo da “escola a tempo inteiro”), mas que não podem querer substituir-se a conhecimentos que são estruturantes (que se lixe, se esta designação choca algumas sensibilidades pedagógicas paradas algures no tempo) para apreender todos os outros e as demais competências. Não é o velho “ler, escrever e contar” mas sim a capacidade para apreender, compreender, comunicar num mundo complexo mas em que os humanos não podem perder a capacidade de alcançar por si o que é se apresenta como cómodo deixar para as máquinas.

(aliás, tenho mesmo muitas reservas em colocar a dar literacia digital aos miúdos quem nem sequer é capaz de, como adulto, distinguir datas e credibilidade de notícias, saber definir regras de privacidade da informação que faculta nos ambientes digitais (já viram como é possível não usar a expressão “redes sociais”?) ou recorrer às tic para além das excitações epidérmicas.)

Por isso, acho que o 1º ciclo do Ensino Básico faz todo o sentido ter quatro anos (e não o prolongar por seis se é para o descaracterizar) e esses terem um currículo formal coerente, concentrado no que é nuclear e deixar para uma série de ofertas opcionais toda uma multiplicidade de actividades efectivamente enriquecedoras (seja o mandarim, a filosofia, a meditação, o desporto) quando facultadas com preocupação na qualidade e não na quantidade.

Por isso, o 1º ciclo deve ser aquele que dote os alunos dos alicerces sobre os quais será possível desenvolver competências mais “elevadas” ou aceder a conhecimentos mais “complexos”.

Por isso, acho que mais do que acusar os professores do 1º ciclo de não saberem adaptar-se aos novos tempos e querer “ensiná-los” seria importante perceber se há condições físicas para que se possam desenvolver determinadas actividades.

Por isso, acho que o 1º ciclo não pode ser um campo para jogatanas em torno do currículo e dos programas como têm sido o 2º e o 3º, ano após ano, mandato após mandato, capelinha após capelinha. Um currículo de tipo “tradicional” não significa que o trabalho não possa ser inovador. Não quer dizer que não reconfiguremos as salas, que as cadeiras não tenham rodinhas ou que as aulas não sejam dadas em pufes com recurso a zingarelhos sempre que isso seja adequado ao que se deseja e não como fim em si.

Não devemos é confundir as coisas e pensar que fazer o pino (por muito bem que faça à saúde e à circulação do sangue) é equivalente a compreender um texto escrito ou a fazer contas sem teclas. E isto não é afirmado contra alguém; pelo contrário, é pensado a partir de conversas com quem sabe definir prioridades sem olhar a camisolas ou a “impressões”.

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