segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Opinião de Paulo Guinote

Paulo Guinote

A Liberdade em Educação é um conceito tentador e uma prática muito recomendável, assim estejam reunidas as condições para que não se transforme apenas na liberdade do mais forte na selva concorrencial.

Liberdade das famílias para escolherem a escola dos seus filhos.

Liberdade das escolas para escolherem os alunos mais adequados ao seu projecto educativo.

Liberdade das comunidades escolares para adequarem o modelo de gestão a esse projecto e à sua identidade específica.

Liberdade dos alunos para escolherem o ritmo e estilo de trabalho mais apropriado ao seu perfil de aprendizagens e aos seus interesses pessoais.

Liberdade dos professores para escolherem as metodologias e práticas mais apropriadas ao trabalho com as suas turmas e alunos, à gestão dos conteúdos e à avaliação dos alunos.

E a anáfora poderia continuar, na enunciação das várias liberdades indispensáveis para que se respire uma verdadeira Liberdade nas escolas, condição essencial para a formação dos cidadãos plenos de uma Democracia consolidada.

Mas, apesar da imensa retórica produzida em torno de palavras como “autonomia”, “liberdade”, “flexibilidade”, “descentralização”, “aproximação”, a verdade é que os tempos são de fortíssimas limitações a qualquer daquelas liberdades, cada vez mais mitigadas e em desaparecimento acelerado na rede pública de ensino.

Não interessa aqui retomar uma desgastada e já conhecida oposição entre as formas de funcionamento nos sectores público e privado da Educação. Interessa sublinhar de que forma a última década fragmentou as condições de funcionamento e aumentou as desigualdades no âmbito das escolas públicas.

Por um lado, foi criado um modelo único de gestão e administração escolar que reforçou os mecanismos de centralização e hierarquização na tomada de decisões, distanciando o centro decisor do quotidiano escolar, de alunos, funcionários e professores e destruindo a partilha de responsabilidades em agrupamentos de escolas cada vez mais sobredimensionados para a nossa pequenez territorial e populacional.

O processo contínuo de aglomeração de escolas em “unidades orgânicas” híper-centralizadas diminuiu, por outro lado, a diversidade de oferta de projectos educativos concorrentes numa mesma área, assim como retirou autonomia às escolas que perderam centros de decisão próprios.

Para além disso, a anunciada iniciativa de municipalizar a gestão das escolas vai conduzir, de forma inevitável, a um maior grau de homogeneização e indiferenciação dos referidos projectos, acabando com qualquer possibilidade de verdadeira liberdade de escolha por parte das populações. A autonomia das escolas desaparecerá por completo, não sendo a pretensa “descentralização” mais do que a criação de centralismos locais, muito vulneráveis ao arcaico caciquismo e ao favorecimento de clientelas político-partidárias.

Por fim, o aumento das desigualdades socio-económicas que resultou da situação de crise e dos mecanismos de austeridade aplicados pelo actual governo, diminuiu de modo substancial a capacidade de muitas famílias conseguirem entrar num “mercado da Educação”, viciado nos seus fundamentos no sentido de reproduzir na Educação uma hierarquização social de que os mecanismos de mobilidade ascendente estão cada vez mais ausentes.

A tradicional oposição público/privado encontra-se, assim, acrescida de clivagens no seio do sector público, com uma Educação a várias velocidades, em termos de infraestruturas e de um sistema de incentivos que acaba por premiar apenas os melhores e afundar os piores, tudo com base numa seriação de desempenhos com critérios simplistas.

Por isso, quando se fala de Liberdade em Educação seria bom que se definisse com clareza de que Liberdade se trata e quem pode dela desfrutar. Porque a Liberdade é um valor nuclear nas sociedades contemporâneas, mas não o é de forma plena se prescindir dos princípios da Equidade e da Justiça Social. E não se pode confundir com economias de escala e outros chavões típicos de um discurso economicista que já provou os seus limites e o carácter nefasto das suas consequências.


Paulo Guinote - Público

O ano de 2014 termina, em matéria de Educação, da mesma forma que terminou 2013, ou seja, com a realização da segunda edição da prova de avaliação de conhecimentos dos candidatos à docência com menos de cinco anos de serviço. Desta vez, com escassa contestação com visibilidade pública, será um dos trunfos eleitorais do Governo que a apresentará como uma “reforma” realizada, mesmo que apenas se destine a encobrir a falta de coragem de intervir a sério na formação de professores.

Mas a PACC já faz parte de águas passadas e é apenas mais uma batalha perdida por parte dos docentes, a par da manutenção de uma avaliação do desempenho que não passa de um simulacro de péssima qualidade e permeável a todo o tipo de distorções e abusos.

Mais graves para a Educação, de um ponto de vista global ou “sistémico” (como agora se diz), são outras medidas que se procuram apresentar comum “estruturais” e destinadas a mudar o “paradigma” dominante, com base numa narrativa que se baseia na falsa evidência de que o “paradigma existente” fracassou e que a Educação, em particular a do sistema público, está em profunda crise. 
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