terça-feira, 29 de julho de 2014

Avaliação de professores: o "politiquês" em discurso directo?

JOÃO FRAGA DE OLIVEIRA 

E se, de futuro, alunos e pais “vissem, ouvissem e lessem” mais (de) Educação?

Falta de (efectiva) autonomia dos órgãos de direcção e gestão, burocratização organizacional e do trabalho dos professores, concentração exagerada de alunos em “mega-agrupamentos”, aumento do número de alunos por turma, diminuição de meios materiais para as necessidades pedagógicas, socioeducativas e organizacionais, insuficiência de funcionários, técnicos e professores, falta de estabilidade destes nas relações socioeducativas com os alunos por precariedade dos seus vínculos laborais ou com a escola em causa, encerramento de escolas “cego” (sobretudo no interior do país) para a realidade socioeducativa do seu contexto geográfico, económico e social.

Tudo isto são factores que têm criado instabilidade na escola pública, prejudicando a qualidade do ensino.

A “Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades” (PACC) a que o Ministério da Educação (ME) pretende obrigar (como condição prévia do exercício da profissão) os professores “contratados” sem vínculo ao Estado com menos de cinco anos de exercício, a sua natureza e as condições em que foi realizada, induzindo (mais) crispação e anuviamento sócio-laboral, potencia o agravamento de tal situação.

Apesar de ser controverso (qualquer candidato a professor é titular de inerente licenciatura, para o que aí, na universidade, deverá ser exigentemente avaliado), é de admitir que, para o início (e não já depois de vários anos) do exercício de uma profissão tão socialmente responsabilizante e responsabilizável como é a de professor (ainda para mais vinculado ao Estado), deva haver um processo (e não só, necessariamente, uma mera prova escrita) prévio de avaliação/integração, visando efectivamente garantir “conhecimentos e capacidades” fundamentais para o desempenho de tal profissão, tão fulcral do (no) ensino esta é.

No entanto, mesmo admitindo isso, em que é que uma (mera) prova deste tipo (genérica e de conteúdos quase “charadísticos”) garante “conhecimentos e capacidades” e “melhora a qualidade do ensino”?

Ainda para mais quando, do tempo e modo com que foi organizada a prova de 22/7/2014, no mínimo pouco leais (ainda que formalmente legais) e objectivamente afrontadores, ficou a ideia de que, para o ME, esta prova visou menos avaliar “conhecimentos e capacidades” e “melhorar a qualidade do ensino” do que (pré)eliminar professores do respectivo concurso e, afrontando-os e promovendo a sua divisão, reforçar o seu poder “político” nas relações com os professores.

Se bem que nisso muitas responsabilidades comportamentais possam também ser atribuídas a professores, o que de muito pouco digno para a escola pública se passou em 18/12/2013 e (sobretudo) em 22/7/2014, teve muito como “rastilho” a forma, mais “política” do que educacional, como o ME lidou com esta questão, quiçá desviando as atenções dos (reais) problemas de(a) Educação referidos no início deste texto.

Porque ainda paira muito por aí o (falso) estereótipo de uma certa “guerra” permanente entre pais e professores (aliás, muito alimentado por alguns destes e daqueles), talvez quem ler este texto sinta alguma surpresa ao saber que o autor não é mais um professor contestatário, mas, sim, um pai e encarregado de educação de um aluno do ensino básico.

A realidade é que qualquer pai e encarregado de educação (e cidadão) está mais que “farto” e preocupado com esta(s) continuada(s) instabilidade(s) profissionais e organizacionais, percebendo nisso um risco para a essência da missão da escola: o desenvolvimento integral de cada um e de todos os alunos, assente na aprendizagem com conhecimento e numa escola com um ambiente organizacional e socioeducativo que possa ser disso suporte.

É deprimente a ironia, mas, pelo menos neste caso, dadas as condições de aparente enviesamento “político” em que foi (re)instituída a PACC para estes professores, parafraseando o título de um conhecido livro de que o ministro da Educação é autor, chamarem a esta prova de “avaliação de conhecimentos e capacidades” e “instrumento de melhoria da qualidade do ensino” é, de algum modo, impingirem-nos … “‘politiquês’ em discurso directo”.

E se, de futuro, alunos e pais, isso não podendo (nem devendo) “ignorar” do Governo e dos professores, “vissem, ouvissem e lessem” mais (de) Educação?

JOÃO FRAGA DE OLIVEIRA
Pai e encarregado de educação

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