quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Opinião - Paulo Guinote


É curioso como tanta gente se esquece que os professores também são pais, e que são pais também os professores que concordam com a existência de exames e, já agora, que há aqueles que concordam com exames mesmo quando os seus próprios educandos são da primeira geração a ter de fazer os anunciados para o 4º ano.

Muitos dos acusadores de dedo em riste, que qualificam como retrógrados, conservadores, quiçá mesmo cruéis torturadores pedagógicos de jovens crianças, todos aqueles que ousem defender a existência de exames no final dos vários ciclos de escolaridade do ensino básico, esquecem-se que do outro lado estão pessoas de carne e osso, reais, que têm filhos e não apenas alunos a quem precisam explicar a utilidade que encontram numa avaliação que vá além da que é feita internamente nas escolas, nas aulas quotidianas e nos periódicos testes e outros trabalhos que lhes são pedidos.

Quando foram anunciados os exames para o 4.º ano, a Marta perguntou-me porque tinha eu gostado da medida pois compreendeu que faria parte do grupo que iria testá-la em primeira mão e apercebeu-se da polémica e dos argumentos muito assustadores que usavam contra os exames, apresentando-os como selectivos, eliminatórios, discriminatórios e outros qualificativos que eu tive de lhe explicar, incluindo ligeiramente o de salazaristas, que alguns articulistas mais excitados trouxeram logo para a conversa.

Como contraponto, expliquei-lhe que fazer um par de exames no final de quatro anos de aulas, em que a transição de ano só está em causa em situações-limite, não é propriamente algo que se deve recear, sendo que, por outro lado, pode ser uma oportunidade para se perceber até que ponto estamos em condições para demonstrar o que sabemos e somos capazes de fazer fora do ambiente controlado e amigável da sala de aula, da professora e da turma com quem se passaram quatro anos.

Claro que isso não a convenceu por completo e as reservas continuaram. Que tinha receio de ficar nervosa, de falhar. Que era mais simples passar de ano, para o 2.º ciclo, sem este tipo de prova, sem a pressão, o risco que ela acarreta.

Fui obrigado a concordar. Realmente é mais fácil e mais confortável uma solução em que estamos seguros de uma passagem, mesmo que isso resulte com justiça dos tais quatro anos de trabalho.

Mas…
… isso seria quase como apenas treinar um desporto e nunca entrarmos em campo, perante o público, para demonstrar tudo o que já sabemos fazer. Mais do que recear a competição com os outros, que no 4.º ano é algo irrelevante, é recear a demonstração das próprias capacidades.

E expliquei-lhe que aos meus alunos do 6.º ano, que também passaram a fazer exames em vez de provas de aferição, procurei incutir o brio e o orgulho no próprio trabalho antes de qualquer espírito de competição. Porque, enquanto professor, sinto vontade de saber até que ponto os soube preparar para, num momento de necessidade, demonstrarem aquilo que conseguem fazer. Porque, quando eles vão a exame, de certa forma eu também vou a exame. E isso não me incomoda, muito pelo contrário.

Não porque tenha demorado horas e horas a prepará-los para esse tal exame, mas apenas porque, afinal, levei muitas horas, centenas ao longo de dois anos no caso do 2.º ciclo, a tentar que eles entendam correctamente um texto e se expressem de forma adequada seja a transmitir informações recolhidas em diversos suportes textuais, seja a exprimir a sua própria imaginação.

Sei que tudo o que possa argumentar é relativo até ao momento em que ela passe por esse ritual que é o exame, que a muitos atemoriza décadas depois de o terem vivido, mas que a tantos outros ficou na memória de uma outra forma, bem mais benigna.

E, muito em especial, sei que cada indivíduo reage de forma diversa a este tipo de situações e que essa reacção à pressão de uma prova externa, realizada com regras de conduta padronizadas e em parte estranhas ao quotidiano conhecido, nem sempre é a mais positiva ou adequada.

Assim como sei que, infelizmente, entre nós a produção de exames nem sempre se rege pelos padrões mais claros.

Mas… num mundo que cada vez exige uma maior maturidade das crianças e dos jovens, com uma multiplicidade de estímulos a necessitar de filtragem e resposta, em que a incerteza se tornou uma constante, será excessivo que, durante algumas horas, em dois dias, se lhes peça que se ponham à prova?
Daqui a uns meses a Marta responderá de sua justiça.
Paulo Guinote
Público, 22/11/2012

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