segunda-feira, 12 de julho de 2010

Opiniões - Paulo Guinote

É usual dizer-se que é em períodos de crise que se conhecem melhor as opções dos indivíduos quanto ao que consideram prioritário, sendo isso tão mais importante quanto maiores as suas responsabilidades e funções.
Neste momento atravessamos um período crítico e realmente parece que a situação de crise está a fazer surgir com maior nitidez o núcleo duro das concepções subjacentes ao modelo de escola pública e da rede escolar que a deve servir, de acordo com o actual Governo.
As tendências são num sentido desanimador para quem se preocupa com a dimensão humana da Educação nos seus múltiplos aspectos e parecem dar razão a todos os que acusaram de mero cálculo economicista a acção do Ministério da Educação desde 2005.
Temos, por um lado, a redução das questões educativas a fórmulas e números, gráficos e tabelas, médias e rácios, que, na sua aparente objectividade e clareza, ocultam o principal que é o rosto dos actores envolvidos nos fenómenos educativos. O que interessa é o nível de sucesso estatístico global e não o sucesso da aprendizagem e formação individual dos alunos.
Em seguida, temos a insensibilidade em relação à dimensão excessiva de muitas turmas que são obrigadas a trabalhar em condições difíceis, em aulas sobrelotadas, sendo que estas condições prejudicam mais os alunos com maiores carências culturais e menor apoio familiar. Esta não é uma mera opinião, é algo alicerçado em estudos internacionais, quando estes não são feitos comparando os resultados de turmas regulares de onde foram retirados os alunos problemáticos com os das turmas CEF para onde eles foram encaminhados.
Existe, ainda, toda uma tentação concentracionária e centralista da rede escolar que se desenvolve num duplo sentido: reduzindo no topo o que agora se chamam unidades de gestão (através da criação de mega-agrupamentos), para a melhor as controlar, e na base os nós da rede escolar (encerrando escolas com menos de 21 alunos).
Esta tripla evolução acentua fenómenos que desumanizam a Educação, desde a quebra da relação de proximidade e afectividade das pequenas escolas com as comunidades envolventes até à despersonalização das relações interpessoais nos novos centros escolares e mega-agrupamentos, onde vão concentrar-se centenas de crianças desde a mais pequena idade.
Não é necessário ler ou observar muito para se perceber que este movimento de big is beautiful, para além de ultrapassado em termos de teoria das organizações, é problemático numa área como a Educação e muito mais grave quando se desenraízam crianças para as despejar dias inteiros em escolas de uma dimensão desajustada às suas necessidades.
Os argumentos de racionalidade económica e economia de escala, populares em alguns ambientes em momentos de crise orçamental, seguem lógicas da eficácia económica, mas reconduzem a Educação a um caminho de formatação dos agentes e processos educativos, em que as pessoas perdem o rosto e se tornam números ao serviço de uma lógica da eficiência estatística.
Só que, pelo contrário, é em momentos de crise que as pessoas, e em especial as mais vulneráveis como as crianças e jovens, merecem mais que as olhem nos olhos e as façam sentir únicas, não um ponto numa linha ou um nó numa rede.
Há que defender, sem hesitar, a escala humana da Educação.
Paulo Guinote

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