segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Opiniões

O conselheiro Noronha Nascimento deu-me há dois anos uma entrevista. Falou-se dos problemas gerais da Justiça em Portugal. Numa fase mais intensa da conversa, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça invocou o "Paradigma kantiano" para sustentar a sua tese. Perguntei-lhe o que queria dizer com isso. "Está a querer fazer-me um exame?", ripostou, irritado com a minha impertinência ou desconhecimento. Ou com as duas coisas. "Não, pergunto-lhe do alto da minha ignorância", disse-lhe deixando que a impertinência perdurasse por si na insistência da dúvida (que era genuína). Noronha Nascimento respondeu-me com uma síntese maravilhosa do modelo filosófico que tem servido para explicar tudo e o seu contrário em campos tão diversos como a astronomia, a ciência política, a teologia. Para o presidente do Supremo Tribunal o Paradigma de Kant significava (entendi eu e anotei para referência futura) que se julga "coisas" (é o termo usado por Kant) diferentes de modo diferente e "coisas" iguais de modo igual. Reside aqui toda a estabilidade do Direito. É por isto que eu acho digno de atento registo que o presidente do Supremo tenha aposto despachos diferentes nos dois conjuntos de escutas das conversas entre Sócrates e Vara. Se o fez, foi porque considerou que são coisas diferentes. A 3 de Setembro, Noronha Nascimento considera o primeiro grupo de seis episódios de escutas que envolvem o primeiro-ministro como sendo nulas por terem sido recolhidas irregularmente. E por aí se fica. Dois meses depois instado a pronunciar-se sobre um novo grupo de cinco escutas entre Sócrates e Vara, o presidente do Supremo Tribunal adiciona às suas considerações sobre a nulidade das provas recolhidas um elemento novo: Considera que depois de avaliado este segundo conjunto de cinco escutas ele não denotava ilegalidades.
O presidente do Supremo Tribunal julga "coisas" iguais da mesma maneira. E "coisas diferentes" de modo diferente. Logo, o primeiro conjunto de seis escutas que recebeu é diferente do segundo grupo de cinco. Tão diferente que no primeiro conjunto que avaliou se limitou a considerar irregular o modo como tinha sido obtido. Declarando-o nulo por isso. Mas abstendo-se de qualquer comentário sobre valores que poderiam ser "ponderados em dimensão de ilícito penal". Tudo isso ficaria para o segundo conjunto que para Noronha Nascimento era não só inválido mas não era incriminatório. Portanto, o primeiro conjunto de seis conversas entre o primeiro-ministro e o vice-presidente do BCP que o presidente do Supremo Tribunal tinha avaliado era, apenas, "nulo". Mas poderia ter dimensões de crime. De facto, é de concluir que teria dimensões de crime. Porque ao ilibar no segundo Noronha Nascimento acusa no primeiro. A menos que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça tivesse julgado as mesmas "coisas" de modo diferente. O que não pode ter acontecido.

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